A Paz começa em casa, em nossos corações, mas tem que chegar nas ruas!

A Paz começa em casa, em nossos corações, mas tem que chegar nas ruas

 

Nós, jesuítas na Amazônia, compartilhamos dos posicionamentos do Papa, da CNBB, da nossa e das demais Congregações Religiosas e da sociedade civil contra os atos terroristas do dia 8 de janeiro de 2023. Os discursos de ódio são motivadores de tanta ignorância que acabam “justificando” a violência contra as pessoas e o patrimônio público.

Nesse sentido, nós comunidades (religiosas) podemos e devemos ser mais proféticas na expressão da bondade de Deus, que é derramada sobre nós por Jesus Cristo em uma oposição concreta a violência desde os mais próximos até as ruas. Assim, o Amor que tem face, tem olhos, tem sorrisos, e toma forma em calorosos abraços de amizade, será maior do que a ignorância humana.

Quando crianças costumávamos brincar de lutas e guerras, noutras vezes éramos soldados ou bandidos, filmes de bang bang incentivavam a invasão dos estados mexicanos com justificativas veladas para a morte dos indígenas como se fossem alvos quaisquer e  brincadeiras assim se espalham hoje ainda nos desenhos animados e nos jogos digitais. Não impressiona que no governo passado multiplicaram-se no Brasil os locais de tiro ao alvo e não se construiu escolas e universidades e as existentes foram sendo sucateadas, de propósito, porque o pobre deveria somente votar e guardar o diploma no bolso.

Tivemos a oportunidade de ver a Guerra na Ucrânia e o que a violência traz e no Brasil grupos ideológicos antidemocráticos pedindo golpe militar diante dos quartéis, atos golpistas e os mesmos grupos depredando de maneira criminosa o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (símbolos dos três poderes em Brasília – DF). Uma ação criminosa que conta com apoio financeiro de muitos outros que igualmente merecem punição exemplar para aprendermos que nem tudo pode numa democracia, menos ainda atentar contra a própria democracia.

As vozes e gritos de comando contra a prisão dos criminosos vindo de um coronel do exército são absurdos, o que antes era de brincadeira, torna-se sangrenta realidade somente comparável a 1964. Agora temos um governo popular e as elites não aceitam, querem o governo para assegurar privilégios de poucos. Por isso, como sociedade, precisamos falar com nossos filhos desde cedo sobre o horror da guerra, do armamento, da loucura de derramar o sangue dos irmãos, para estabelecer novamente a Justiça e exaltar a Paz como forma de termos ordem e progresso. Também precisamos convencer as crianças novamente a abandonar as armas de brinquedo e servirem-se dos instrumentos esportivos (bolas e bonecas, por exemplo).

O mundo em que vivemos seria bem melhor sem armas, sem drogas, com mais justiça e paz. No entanto, já que o Caim e o Abel estão dentro de nós teremos que trabalhar a consciência de que somos irmãos. Já vimos acontecer no passado o desarmamento voluntário e voltamos a nos armar novamente, isso faz parte dos vícios humanos e de falaciosas seguranças. Voltemos a levar para a fogueira as armas e as munições, mesmo que sejam de brincadeira.

A paz começa em nossa casa, rua, bairro ou comunidade e atingirá nossa cidade e nosso país. Mais certo é que a paz começa em nosso coração. Somente depois ela invade o lar, sai para as ruas, se espalha pela cidade e ganha o mundo. O sentido da Paz está na alma humana, pois muitos somos capazes de matar para roubar, invadir espaços do próximo por vingança, etc. Ressalta aos olhos a paz construída no país pelo Movimento Sem Terra ao distribuir toneladas de comida para quem tem fome nos dias atuais. Se esses milhares de pessoas acampadas na frente dos quartéis e fazendo tamanha violência às Instituições do Brasil se ocupassem em criar fraternidade de produzir algo útil ao Brasil, poderiam usar tanta energia e dinheiro para o Brasil sair do mapa da fome, e isso seria grandioso!

Sábia decisão foi a de Jesus Cristo quando estabeleceu a lição maior no Lava-Pés, em torno da Santa Ceia. O que muda o rumo da humanidade é a produção e partilha de pão, não de armas. Mas, para isso, parece que é preciso compreender na prática novamente que é loucura derramar o sangue do irmão e experimentar na pele as vantagens de se viver em paz.

E essa paz não é apenas a ausência de guerras, mas a paz no seu mais abrangente sentido. A onda de fascismo que se espalhou no Brasil por causa dos grupos ideológicos antidemocráticos possui raízes religiosas e nesse contexto temos também padres católicos que foram formados no fanatismo religioso que nos deixam perplexos, capazes de não observarmos o mais óbvio.

Em nome da Paz espalhe Amor onde quer que você vá, deixe chegar nas ruas. Isso se você quer ser discípulo de Jesus Cristo, pois não é compatível ser cristão e compactuar com essa violência que leva os pobres para a fome e a cruz, como fizeram no passado com Jesus. Primeiro de tudo, façamos isso em nosso próprio lar, depois com o vizinho de porta e aos outros moradores da rua, do bairro, da comunidade e assim por diante. Não deixe ninguém vir a você sem partir melhor, mais humanizado ou mais feliz com a paz que você lhe emprestou. Essa parece ser uma maneira para conquistar a paz mais verdadeira e efetiva entre nós.

 

INFORMAÇÕES DE CONTATO

Aloir Pacini, SJ

Antropólogo, jesuíta e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em estágio pós-doutoral com pesquisa sobre o território transnacional dos Guaranis. Fez Mestrado no Museu Nacional (UFRJ) com estudos sobre as Missões com os Rikbaktsa e o Doutorado com os Chiquitanos (UFRGS). Em etnologia indígena, estuda os territórios tradicionais (águas) e suas vinculações com as identidades nas fronteiras dos Estados. Seu trabalho reflete o do cuidado da casa comum (proposta do Papa Francisco) e os papéis das instituições nas sociedades, também da Igreja no contexto de Mato Grosso e Brasil.

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