Advento, Amazônia e Casa Comum

Série de artigos do Advento que refletem horizontes das preferências apostólicas universais da Companhia de Jesus e tem como perspectiva a Espiritualidade Ecológica

 

Parece ser cada vez mais difícil aos cristãos de hoje saber, exatamente, o que devem “esperar” nesta época pré-natalina, que o calendário litúrgico da Igreja Católica chama de tempo do Advento – do latim adventus – para indicar um tempo de espera diante da vinda ou chegada de algo ou de alguém importante. Isto porque, por mais que a voz do Papa Francisco, as homilias dos padres, as reflexões das novenas de Natal e as mensagens das televisões, rádios e redes sociais cristãs insistam em recordar que é Jesus, o Salvador, Redentor e Libertador quem vem habitar entre nós, não é este certamente o foco dos comerciais e das inúmeras campanhas publicitárias que invadem as nossas casas e as nossas mentes, para seduzir o nosso coração e nos levar a consumir sempre mais seus produtos, com a promessa de que assim viveremos um feliz natal. De fato, como explica o teólogo-poeta Benjamin Gonzales Buelta, falando da ação e das leis do mercado, “nunca se estudou com tanta precisão como criar sensações que entram em nós, abordando as fontes sempre abertas de nossas necessidades e, a partir daí, se infiltram e contaminam nossos desejos”¹ para, enfim, nos tornar escravos do consumismo.

Por outro lado, lembra Francisco que, “infelizmente, muitos habitantes da Amazônia adquiriram costumes próprios das grandes cidades, onde já estão muito enraizados o consumismo e a cultura do descarte”². Ou seja, em um mundo cada vez mais globalizado, até mesmo os habitantes das cidades e do interior amazônico vão se deixando seduzir pelos sonhos de consumo que permeiam e caracterizam o “clima de natal” de nossos dias. Como recuperar, então, o verdadeiro espírito do Natal de Jesus, o menino pobre e indefeso, nascido numa majedoura e cercado de animais e pastores, na presença de seus humildes pais, o carpinteiro José e sua esposa Maria? Como nos alegrar com essa simplicidade escolhida por Deus para fazer vir ao mundo o seu Filho, motivo de alegria em todos os cantos do planeta, uma vez que todos os confins da terra viram a salvação que Ele trouxe (cf. Sl 97,3)?

Para responder a estas perguntas, podemos nos deixar iluminar pelo que ensinam as diferentes sabedorias e a cosmovisões dos povos indígenas da Amazônia que, mesmo ameaçados e pressionados a mudar seus hábitos e valores, conservam uma relação de harmonia e simplicidade com os demais seres vivos à sua volta e com a nossa “casa comum”, tema muito caro a Francisco, que sobre isso escreveu a encíclica Laudato Sì, sobre o cuidado da casa comum, em 24 de maio de 2015, e que certamente influenciou os jesuítas a também tomarem como uma de suas preferências apostólicas universais o “Colaborar com o cuidado da Casa Comum”³.

De fato, ao nos aproximarmos com espírito de diálogo e abertura às espiritualidades dos povos tradicionais amazônicos, percebemos que as mesmas são caracterizada pela relação natural e cultural entre o ser humano e a floresta, os rios, a terra, os animais, em uma intricada rede de reciprocidade, uma vez que os indígenas sentem e vêem a natureza não como algo que é estranho à sua existência, mas como parte de sua sociedade e cultura, como uma extensão de seu corpo pessoal e social. Para eles, Deus não é uma realidade a ser conceitualizada e explicada, mas tem a ver com a sabedoria religiosa que se transforma em coexistência com o cosmos e a natureza.

As espiritualidades indígenas são marcadamente sapienciais, ou seja, ensinam a sabedoria de viver em harmonia com a natureza. A natureza, por sua vez, torna-se a base para a abertura do coração ao transcendente, à generosidade e à gratuidade na relação com os demais seres que habitam a Mãe Terra. Elementos como estes constituem a base das espiritualidades indígenas na Amazônia, como uma espécie de espiritualidade ecológica, que reconsidera a relação entre Deus e a natureza, incorporando o elemento ecológico numa perspectiva soteriológica, com repercussões diretas na vida do ser humano, nas suas relações com a natureza e na busca da plenitude da vida.

Além disso, o conceito de Bem-Viver5 presente nas espiritualidades e cosmovisões indígenas,  nos ajuda a perceber que a qualidade de vida e o grau de felicidade de alguém não pode ser reduzido ao consumismo ou à concentração de bens materiais, mas sim na promoção de uma vivência harmoniosa e comunitária da existência humana e desta com as demais criaturas, permitindo um saudável crescimento para todos, em paz e em harmonia com a natureza, para o bem e a preservação da humanidade e de toda a biodiversidade, ou seja, de toda a nossa casa comum.

Portanto, dialogar com estes saberes e com estas cosmovisões podem nos ajudar, certamente,  a recuperar a verdadeira mensagem trazida pelo nascimento de Jesus, nos fazendo refletir neste tempo de Advento sobre que tipo de relação Deus quer estabelecer conosco, ao nos enviar o seu Filho Jesus para nascer entre nós, como um de nós. E que tipo de relação Jesus vem nos ensinar a termos entre nós, quando nos apresenta o seu Pai como nosso Pai, como também que tipo de relação quer que tenhamos com as demais criaturas, obras do amor divino, das quais somos guardiães. Olhando o exemplo dos povos indígenas, devemos humildemente reconhecer que ainda temos muito a aprender com eles em todas essas dimensões relacionais.

Que este tempo de preparação (acima de tudo, espiritual) para o Natal, nos leve a uma verdadeira conversão ecológica, nos fazendo superar maneiras ultrapassadas de olhar para o mundo de forma reducionista, antropocêntrica, utilitária, predatória e causadora de inúmeros desastres ambientais, a fim de que possamos verdadeiramente nos unir à missão salvadora e reconciliadora de Jesus, “porque foi nele que aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e, por Ele e para Ele, reconciliar todas as coisas, pacificando pelo sangue da sua cruz, tanto as que estão na terra como as que estão no céu” (Col 1,19).


1 Benjamin González BUELTA, Caminar sobre las águas, Bilbao-Santander, Mensajero-Sal Terrae 2010, 62.
2 Papa FRANCISCO, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia, n. 58.
3 Arturo SOSA, Preferências Apostólicas Universais da Companhia de Jesus, 2019-2029, Roma, 19 de fevereiro de 2019, 1.
4 Cfr Afonso T. MURAD, “Ecologia, consciência planetária y buen vivir”, in Ecoteología, um mosaico, Bogotá, Pontificia Universidad Javeriana, San Pablo, 2016, 36 s.

 

 

Leia Mais sobre a série:

→  Advento, as juventudes e Projeto de Vida

→  Advento, os vulneráveis e a reconciliação com a justiça

→ Advento, discernimento e a Espiritualidade da Criação

→ Tempo do Advento

 

INFORMAÇÕES DE CONTATO

Adelson Araújo dos Santos

Amazonense, sacerdote jesuíta, professor de teologia espiritual na Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma.

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