Advento, discernimento e a Espiritualidade da Criação

Tempo do Advento - 1 semana

Série de artigos do Advento que refletem horizontes das preferências apostólicas universais da Companhia de Jesus e têm como perspectiva a Espiritualidade Ecológica.

 

A Igreja para melhor viver a experiência do ressuscitado e do seu Espírito, se organiza em tempos litúrgicos para experenciar a realização salvífica do Senhor. Um desses tempos é o do Advento que antecede a festa do Natal e deve ser vivido tendo como foco principal o mistério do que nos fala São João “E o verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo, 1,14). O mistério da encarnação, da vinda do filho de Deus, concebido por uma mulher chamada Maria e nascido no meio dos pobres, nos faz chegar à plenitude da História humana. Este acontecimento universal pertencente a todos os povos, nos transmite a beleza do amor de Deus por toda sua criação.  Jesus que desceu para todos, mas em especial, para os menos favorecidos, vem não somente resgatar a dignidade humana, mas a vida em sua plenitude e com toda sua a criação gerada pelo amor de Deus, pois como afirma João “Deus é amor” (I Jo 4,8) e não há dignidade humana sem a preservação de toda a criação de Deus.

Neste contexto devemos nos perguntar: em que sentido estamos vivendo esta espiritualidade da criação ao olhar pra Jesus, para nós, para os outros e para a ecologia? Como está o nosso cuidado pessoal, o cuidado com as outras pessoas, o cuidado com a criação de Deus, quando percebo que o Cristo da Vida está presente em nosso meio? O advento, então nos propõem um cuidado com todos, em especial, com a criação. O próprio catecismo da Igreja Católica expressa que “A verdade da criação é tão importante para toda a vida humana que Deus em sua ternura, quis revelar a seu Povo tudo o que é salutar que se conheça a esse respeito” (CIC, 287). Às vezes, caímos no erro de desassociar a vida humana da criação, da ecologia, das nossas ações para cuidar do bem e da nossa casa comum. Um erro grave, por sinal, cometido até por homens da fé, no entanto, a verdade é como diz o refrão da música de Padre Cirineu Khun, da congregação Verbo Divino: “Tudo está interligado/ como se fôssemos um,/ tudo está interligado/ nessa casa comum”.

Esse discernimento não é estático, mas vigoroso e dinâmico e que reflete o mandato de Cristo “Vigiai, portanto, porque não sabeis em que dia vem nosso Senhor”. (Mt 24,42). Vigilância, esta, que nos coloca no seguimento de Jesus, refletindo sobre os seus passos e assim, o descobrindo em nosso próprio caminhar, em nossa própria realidade de vida, enquanto aguardamos a sua segunda vinda. Contudo, não se trata de uma vigilância apenas de oração, mas de consciência, de zelo pelo cotidiano e por tudo que nos cerca. Não é estático, mas dinâmico, pois necessita de nossa ação no dia a dia, nos pequenos gestos que dão testemunho do Deus da vida e que deseja vida para todos.

Então, como ter vida digna sem uma verdadeira conservação dos nossos recursos naturais?  Na carta encíclica Laudato Si, sobre o cuidado da casa comum, papa Francisco nos declara sobre a importância de vivermos uma ecologia na vida cotidiana e que não se refere somente ao plantar uma arvore ou proteger os animais, mas, algo que se possa envolver nossos ambientes urbanos, muitas vezes poluídos visualmente, num sentido frio e longe da dignidade que o ser humano necessita para viver bem, reflexo da vida desordenada a que nos acostumamos a viver. “É preciso cuidar dos espaços comuns” (LS, 151).

Essa desordem que vivemos a partir dos nossos pecados individuais, das nossas desordens que se juntando as desordens e pecados dos outros vai se tornando uma “bola de neve”, no que chamamos de pecado social. Isso explica as grandes crises no mundo, entre elas a ecológica. O pensamento predatório do homem deseja explorar nossos recursos naturais sem a menor consciência da vida em nosso planeta. Por isso, o Advento deve nos proporcionar um discernimento favorável a olharmos o todo e o planeta como parte do Reino de Deus como nos remete a afirmação do evangelho “O reino de Deus está no meio de nós” (Lc 17, 21). Um reino que Jesus nos inaugurou e disse: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Ora, o que é a vida, senão viver em Cristo? A vida é totalidade, faz parte dela o todo existente no planeta, por isso, fazer da nossa casa comum, um local generoso e parte integrante do reino de Deus é a missão da Igreja vigilante que espera a segunda vinda de Jesus.

Nesse sentido, somos chamados como vocacionados e vocacionadas do Pai a cuidar de nossa casa comum, tornando nossas ações uma oração a Deus, em que possamos mudar consciências, plantar árvores e flores onde existe o cimento, além de derrubar muros e abraçar o que se acha afastado, a beira do caminho. Expandir nossa espiritualidade ecológica e do cuidado é se preparar para um Jesus que está presente no agora, no rosto dos mais pobres, dos famintos, de homens, mulheres e crianças, afim de que um dia ele nos encontre como um servo bom que duplicou os talentos dados, pois, o dono da casa voltará como está escrito “Este jesus, que foi arrebatado dentre vós para o céu, assim virá, do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At, 1,11).

Descobrir isso é um caminho para encontramos o nosso princípio e fundamento em que “O ser humano é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor, e assim salvar-se” (Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola – EE 23.2). Ao olhar para nós mesmos, e enxergar o outro e a criação encontramos a forma perfeita de seguir a Deus e atingir o nosso fim “As outras coisas sobre a face da terra são criadas para o ser humano e para o ajudarem a atingir o fim para qual é criado” (EE 23.3). Portanto, somos chamados a contemplar a criação dentro do mistério da encarnação. De um Jesus prometido, expresso na História de Israel, na promessa a Abraão, na fuga do Egito. De um Jesus que nasceu, que curou, morreu e ressuscitou. De um Jesus que se faz presente em nosso meio através do seu Espírito Santo, na Eucaristia, nas escrituras, no rosto dos irmãos mais necessitados e que um dia há retornar triunfante e nos encontrar em espírito de vigilância como as cinco virgens prudentes conforme (Mt 25, 1-13), afim de que ele nos diga “Muito bem, servo bom e fiel! Foste fiel no pouco, muito confiarei em tuas mãos para administrar. Entra e participa da alegria do teu senhor!” (Mt 25,23). Cuidar da casa comum vivendo uma ecologia integral é forma de resgatar a dignidade humana, por meio da proteção dos nossos bens ecológicos tão importantes para nossa sobrevivência “Laudato Si’, mi Signore” – Louvado seja meu Senhor […] (LS, 1), para que seguindo os passos de Jesus possamos ser guardiões da criação e do bem comum.

INFORMAÇÕES DE CONTATO

Márcio Fernandes Conceição

Leigo, professor de língua e Literatura Portuguesa, Colaborador da Preferência Apostólica Amazônia com o Serviço Inaciano de Espiritualidade SIES/ Manaus e integrante da Rede Servir da Província dos Jesuítas do Brasil.

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