Advento, os vulneráveis e a reconciliação com a justiça

Tempo do Advento - 2 semana

Série de artigos do Advento que refletem horizontes das preferências apostólicas universais da Companhia de Jesus e têm como perspectiva a Espiritualidade Ecológica.

 

     Tal como foi para os nossos precursores e precursoras, a fonte da nossa espiritualidade é inseparável da Palavra de Deus e da realidade do mundo em que vivemos. Preparar e celebrar o caminho do Senhor é ajudar o povo a conquistar a liberdade e a vida. É preciso que sejamos testemunhas de um amor que fecunda a Terra e que sejam cultivadas as interdependências entre todos os seres vivos: paradigma relacional denominado ecologia integral.

     A nossa experiência de Deus passa pela relação com o outro, especialmente com os mais vulneráveis, os mais pobres. A presença de Deus e a presença do outro são indissociáveis. Entre as prioridades dos nossos dias, a situação das mulheres, dos migrantes, das crianças e as violências multiformes nos inquietam de forma muito particular.

     Aprofundar a nossa relação com o Cristo Libertador nos transforma. Neste mundo marcado por desigualdades, esse aprofundamento nos faz sair em direção aos irmãos e às irmãs, sustentando o nosso compromisso por uma vida digna e justa para todos.

     Frente à realidade que dignifica a produção de mercadorias e desvaloriza o cuidado com as pessoas, a Igreja afirma-se na defesa da dimensão humana associada à defesa da natureza – a Humanidade e a Criação – enunciando o conceito de ecologia integral. Sendo assim, além de perceber o planeta como a «casa» de todos e todas, é preciso trabalhar a consciência de integração entre os recursos, as pessoas e as ações, sendo necessário educar para isso.

     Por conseguinte, a ecologia integral nos convida a uma conversão integral. Uma mudança profunda do coração, que se expressa como transformação radical de que a Amazônia e o planeta necessitam. Compreender a necessidade de uma conversão pessoal, social e ecológica (cf. LS210).

     Como cristãos e cristãs, reconhecemos que há muito a aprender e pensar sobre o saber fazer uma educação ecologicamente integral, lembrando que há muitas facetas a serem reconhecidas no Brasil. Este é um país com inúmeras riquezas naturais, no entanto sofre sucessivas retaliações e desastres ambientais que comprometem o meio ambiente de sua população menos favorecida. Fica a desejar soluções para questões de sobrevivência, como recursos à água potável, alimentação, saúde, moradia, saneamento básico…  Acrescenta-se a isto a defasagem formativa e educativa que vem se intensificando; há uma ligação real entre desigualdade social e educação; uma significativa massa de pessoas não tem acesso à educação de qualidade, ferramenta capaz de gerar soluções criativas para viver melhor.

     A sociedade de consumo tem se revelado a sociedade do descarte. Não só o descarte do lixo, mas também o de vulneráveis – os mais velhos, os mais jovens, os pobres, os diferentes – relegados ao esquecimento, ao desemprego, ao desprezo.  Ante esta realidade, são inúmeros os apelos que tocam de perto as ações apostólicas e missionárias de todos e todas nós.

     A espiritualidade praticada com os pés na terra oferece a possibilidade de encontrar alegria e gosto de conviver com as diversidades culturais, étnicas dos povos amazônicos. Assim, pode-se valorizar as riquezas culturais nas quais Deus semeou as sementes da Boa-Notícia.

     A missão do ser humano é ser capaz de escutar os milhares de ecos que vêm da Terra-Mãe, celebrar sua grandeza e unir-se à canção de louvor que todas as coisas fazem ao seu Criador:

            – Atentas/os para o cuidado da Casa Comum, como mulheres e homens capazes de construir uma vida com propósito; de edificar uma vida feliz em harmonia com o planeta Terra; o que significa despertar a união com todos que defendem os mesmos ideais de proteção à vida do planeta e das pessoas, assumindo uma visão consciente e crítica de sustentabilidade e corresponsabilidade da vida;

            -Leve à tomada de consciência da necessidade de mudança de hábitos e atitudes que conteste o modo de agir consumista; ao compromisso de romper as barreiras que nos separam, fazendo escolhas éticas, que tragam efeitos positivos para a sociedade e para o planeta; só assim estaremos assumindo a história como possibilidades de transformação, inclusive para o fim das violências às mulheres, às crianças, aos migrantes, aos povos indígenas;

            -Contribuir com a solidificação de uma educação humanizadora, integradora e planetária, em uma perspectiva sensível na escuta das narrativas de vida, no diálogo e na concepção do planeta para todos; visto que vivemos numa sociedade ecologicamente desequilibrada e socialmente desigual, é preciso abordar questões ambientais nas mais diversas áreas do conhecimento e espaços educativos.

     Em uma retrospectiva do decorrer de 2022, há de se notificar que as sequelas da pandemia de Covid19 ainda estão aparecendo em todo o país, assim como outras pandemias, colocando os brasileiros em estado de alerta, a vivenciar continuamente incertezas, imprevistos, desencontros de informações, dúvidas e inseguranças.  Diante disso, ser vigilantes e gritar no deserto para continuar abrindo espaços significativos para um despertar da solidariedade e de uma compreensão a respeito da angústia do(s) outro(s), inclusive para uma tomada de consciência do empenho à qualidade de vida, manifestada não só no âmbito da saúde física e mental, mas nos gestos de amor, amizade, comunhão e fraternidade. Criar espaços de escuta, bem como formas para amenizar as baixas ou perdas econômicas de inúmeras famílias – fato que tornou ainda mais vulnerável a condição dos desabrigados e carentes de toda ordem.

     Toda obra que coopera para a paz e para a justiça, portanto, se enquadra como manifestação da bondade de Deus. São ecos da Palavra do Senhor, vozes que se encontram em sinfonia no cumprimento das promessas messiânicas de “novos céus e nova terra” (2Pd 3,13).

 

Leia Mais sobre a série:

→ Advento, discernimento e a Espiritualidade da Criação

→ Tempo do Advento

 

INFORMAÇÕES DE CONTATO

Jozane Lima Santiago

Irmã da Congregação de Nossa Senhora – Cônega de Santo Agostinho (Instituição parceira dos Jesuítas), Professora da Faculdade de Ciências Agrárias/Universidade Federal do Amazonas e Doutora em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia.

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