Fórum das Águas e FARU realizam Conferência Popular pelo Direito à Cidade

A atividade faz parte dos eventos preparatórios para a ampliada nacional da Conferência Popular pelo Direito à Cidade que ocorrerá no próximo mês de junho, em São Paulo.
Foto oficial - Conferência Popular pelo direito à cidad

No Brasil, o direito à cidade está descrito no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001, artigo 2º, incisos I e II) que dispõe sobre o direito a cidades sustentáveis, compreendido como “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos” e outro rol de direitos.  Na última semana, entre os dias 05 e 07, aconteceu em Manaus – AM, em âmbito estadual, a Conferência Popular pelo Direito à Cidade, atividade que faz parte dos eventos preparatórios para a ampliada nacional da Conferência Popular pelo Direito à Cidade que ocorrerá em São Paulo no mês de junho.

Conferência Popular pelo direito à cidade do dia 05O Fórum das Águas articulado pelo Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – SARES junto com o Fórum Amazonense de Reforma Urbana formados por entidades de classe, movimentos de moradia, associações de moradores, cooperativas e entidades de defesa dos direitos humanos e da natureza foram os organizadores do evento. A Conferência preparatória é um espaço de oportunidade para reflexão e debate a partir do entendimento de que as cidades são um bem comum e por isso todos são partes fundamentais para construção e para usufruir dos benefícios possíveis advindos da urbanização.

As falhas no planejamento e/ou gestão das cidades são os motivos impulsionadores para a realização da Conferência em São Paulo e dos eventos preparatórios, tendo em vista que as políticas públicas de infraestrutura no Brasil não chegam a todos, ampliando desigualdades sociais existentes, segregação etc. A ampliada tem como objetivos: 1. Aprofundar o debate sobre formas de combater a desigualdade social e a depredação ambiental; 2. Participar da redemocratização do país por meio de uma articulação nacional de agentes atores e entidades vinculados à vida urbana e produção das cidades; 3. Inserir o tema das cidades no projeto nacional a ser definido socialmente nas eleições 2022.

Nesse sentido, para colaborar com a reflexão e debate, a Conferência estadual na capital Amazonense propôs discutir: “Água, Saneamento e os desafios em Comunidades das periferias de Manaus”; “Terra e Moradia, conflitos fundiários e os despejos forçados” e “O direito à cidade e povos indígenas.” A intenção foi lançar um olhar sobre a realidade do estado, sobretudo da cidade de Manaus, mas trouxe também considerações sob a perspectiva dos aportes operativos das políticas públicas de produção das cidades que são gerenciados por empresas privadas.

2022_Conferencia Direito à Cidade
Pe. Sandoval Rocha, SJ – Prof. Doutor em Água e Saneamento

No primeiro dia (5) da Conferência preparatória, Pe. Sandoval Rocha (Jesuíta e Doutor em Água e Saneamento), Eduardo Colmanetti (Militante na luta pela água) e Francisco Pinheiro (Líder comunitário de bairro de periferia) contextualizaram e problematizaram a situação da Água e do Saneamento na cidade de Manaus, principalmente a partir da realidade das periferias. A princípio foi apresentada a linha do tempo sobre a concessão privada de água e esgotamento sanitário na cidade que na ocasião de contrato foi justificada como um ganho social, pois entre as promessas propostas estava firmado que as periferias seriam totalmente atendidas, que 90% da cidade estaria coberta com esgotamento sanitário, haveria um serviço universalizado de água etc. O ganho social foi contestado pelos conferencistas que afirmaram que tudo não passou de promessas. Depois todos foram instigados a refletir sobre a administração do bem comum e o papel da gestão privada que tem dificultado o acesso das populações mais empobrecidas à água e esgoto tratado, tem proposto elevadas taxas tarifárias para um serviço precarizado, não promove a tarifa social efetivamente dentro do alcance e abrangência de público devido e oferece um serviço de coleta sanitária ineficiente, entre outras situações relatadas.

Conferência Popular
Francisco Pinheiro, líder comunitário

De acordo com Francisco Pinheiro, líder comunitário do bairro Jorge Teixeira, zona leste da capital amazonense, “além dos serviços precarizados que já são conhecidos”, ele conta que em plena pandemia, a concessionária de água para o abastecimento público da cidade realizou cortes dos serviços em sua vizinhança. “Cortavam a água, mas a bendita conta chegava todo mês”, disse.

No segundo dia (6), a proposta era falar sobre Terra e Moradia. Manaus é uma das cidades que tem um dos maiores déficit habitacional proporcional por habitantes. A questão dos conflitos fundiários e as regularizações fundiárias estiveram no centro do debate. Mas, houve também apontamentos sobre a falta de espaço para a população amazonense discutir a implantação de políticas públicas de moradia e sua efetivação junto ao poder público devido a destituição de secretarias e conselhos de estado que pautavam a questão habitacional. Além disso, foi questionado o serviço da Superintendência de Habitação que, segundo os conferencistas, poderia assumir a responsabilidade mobilizadora de aglutinar os atores sociais que lutam pela questão de moradia pela formalização de Conselho, mas não fez isso até os dias atuais. Eles denunciam que são mais de 10 anos sem o funcionamento de um Conselho da Cidade efetivo e isso implica em não poder discutir investimentos no fundo estadual e colaborar com a transformação da realidade de milhares de pessoas sem moradia. Adinamar Santos (Habitat Brasil) e Marcos Lima (Professor Doutor com atuação em geografia urbana) foram os conferencistas que explanaram a temática.

“As pessoas estão sem moradia. Há um déficit  habitacional terrível nessa cidade, um dos piores. Isso nos leva a pensar e a crer que temos que resolver os problemas agora, mas os problemas de agora são os problemas do nosso ontem, e que problemas são esses? São problemas relacionados a uma sociedade desigual em vários níveis. Desigual no acesso à educação, desigual por consequência no acesso ao trabalho, desigual no acesso à terra e por consequência à moradia”, relatou o professor da Universidade federal do Amazonas (UFAM), Dr. Marcos Lima.

Conferência Popula pelo direito à cidade dia 07No terceiro e último dia (7), o evento finalizou com a ênfase sobre o direito à cidade e povos indígenas. Domingos Dessano (Cacique do Assentamento Sol Nascente), Erivaldo Mura (Tuchaua) e Marcivana Sateré-Mawé (Copime – Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e entorno) falaram um pouco sobre como vivem e sentem a cidade e os impactos de experimentar o espaço urbano como povos indígenas nos dias atuais. De acordo com os conferencistas não há uma educação de qualidade diferenciada, principalmente no âmbito universitário, que realmente seja efetiva. Reclamam sobre o suporte de moradia às juventudes indígenas que saem das aldeias e não conseguem se manter em Manaus ou em outros municípios do Amazonas enquanto tentam a garantia do diploma universitário. Afirmam que são mais de 35mil indígenas, só na cidade de Manaus, 47 povos diferentes, com 36 línguas faladas nesse perímetro urbano e mesmo assim muitas políticas públicas direcionadas a esses povos não são criadas com a justificativa de que as cidades não são territórios indígenas, e consequentemente lhe são negados diretos básicos na saúde diferenciada, na educação diferenciada e apoio nas atividades econômicas de subsistência.

Durante a Conferência, Marcivana levantou uma questão importante para compreender e possibilitar um amadurecimento coletivo em relação ao olhar e o pensar sobre o indígena na cidade. “Muitas pessoas dizem indígenas em contexto urbano… Outros falam indígenas não aldeados… a saúde nos define como indígenas citadinos… Mas, na verdade é preciso superar esse tipo de fala. Afinal, nós somos indígenas de nossos territórios e Manaus é um deles! Então, o primeiro passo para a gente discutir o direito à cidade é o reconhecimento dos territórios indígenas na cidade”, afirmou a coordenadora da COPIME.

Defensor Geral
Thiago Nobre Rosas, Subdefensor Público Geral

O Vice-Defensor Público Geral da Defensoria Geral do Estado do Amazonas, Thiago Nobre Rosas, também esteve no evento falando acerca das ações da defensoria em suas demandas coletivas por meio dos núcleos especializados de acompanhamento que inclusive tratam temas como a reintegração de posse de terras, questões envolvendo moradias, água etc. Ele se colocou à disposição dos movimentos sociais e da Igreja Católica para firmarem uma parceria no acompanhamento e enfretamento da situação política de vulnerabilidade que vivem muitos empobrecidos.

O Movimento Nacional de luta pela Moradia (MNLM) também colaborou com o evento de perto. Neila Gomes, articuladora do MNLM, relembrava a todo momento que é necessário e urgente pautar o direito à cidade. “Nós temos o desafio de organizar o nosso povo. Tem pessoas que estão com liminar de despejo e é por isso que precisamos fazer o debate e denunciar que tem pessoas que estão sendo alijados do direito de morar”.

A próxima etapa da Conferência será Nacional e acontecerá nos dias 03, 04 e 05 de junho, em São Paulo, para ampliar a discussão e a construção de convergência acerca das experiências estaduais. Para saber mais acesse o site organizador do evento.

 

Fotos: Banco de Imagens do SARES

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Felipe Moura

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