Em comemoração ao Dia Mundial da Água, celebrado nesta terça-feira (22), daremos início a primeira parte da série da reportagem sobre a homologação do tombamento do Encontro das Águas dos rios Negro e Solimões, luta socioambiental que perdura há 11 anos na Amazônia.
Ameaçado pelo projeto de construção do Porto das Lajes, em Manaus (AM), o fenômeno Encontro das Águas, tombado em 2010 por sua importância natural, ganhou um novo capítulo na briga judicial que envolve os governos federal e estadual, o Ministério Público Federal, a empresa Lajes Logística S/A e os movimentos ambientalistas.
Em circunstâncias normais, a construção de um terminal portuário já seria um projeto merecedor de grande debate público. Nesse caso, ele pode impactar diretamente o Encontro das Águas, um fenômeno natural no qual os rios Solimões, de água barrenta, e Negro, de água preta, correm lado a lado sem se misturar por uma extensão de mais de seis quilômetros.
Em fevereiro, o Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES), a fim de assegurar a proteção integral de uma das localidades mais emblemáticas da natureza amazônica, protocolou um ofício no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Procuradoria Geral do Estado (PGE-AM) que pediu a anulação do tombamento do Encontro das Águas a favor da Lajes Logística S/A. A instituição jesuíta questionou na Justiça a legitimidade da PGE e pediu à ministra Cármen Lúcia, relatora da matéria, a realização de uma audiência pública para que os povos da cultura ribeirinha da Amazônia também possam ser ouvidos no processo. O SARES solicitou ainda a extinção do processo (ACO 2514), sem julgamento do mérito, por carência da ação. A decisão de elaborar e enviar o ofício surgiu após a ministra suspender, em 19 de dezembro de 2021, por 60 dias as ações que questionavam e pediam a homologação do tombamento do maior cartão postal da região.
Antes de mais nada, é importante recordar que foi o tombamento que interrompeu o polêmico processo de licenciamento ambiental do Porto das Lajes. O projeto é defendido pelo governo do Amazonas, mas encontra forte oposição de biólogos, de arqueólogos e de movimentos ligados ao meio ambiente, que afirmam que o alto fluxo das embarcações trará impactos ambientais e paisagísticos ao ponto turístico, além de impactos socioambientais às comunidades ribeirinhas. “Neste dia mundial da água lembramos que nossa ação é pautada na defesa e preservação que brota de uma relação íntima e secular dos povos da floresta com suas águas, que na prática se fortalece ao atravessar de canoa ou em barcos regionais pelo leito do encontro das águas barrentas e escuras dos rios Negro e Solimões. A persistência de empresários e governos para a construção do porto no Encontro das Águas, revela a falta de compromisso e zelo com o bem ambiente natural mais conhecido e visitado da Amazônia”, comentou o educador Valter Calheiros, do movimento SOS Encontro das Águas.
No que diz respeito aos impactos ambientais, a construção do terminal portuário poderá provocar o desmatamento de florestas de várzeas e de margens, poluição das águas com óleos e dejetos sólidos das embarcações, impacto na qualidade da água, impacto nas áreas de reprodução, destruição de sítios arqueológicos, contaminação biológica, diminuição da atividade turística etc.
O Pe. Sandoval Rocha, SJ, Assessor do SARES, faz um alerta sobre a situação: “a construção do Porto das Lajes não tem o apoio da sociedade, pois há consciência dos efeitos negativos na vida das populações humanas que vivem no entorno do Encontro das Águas, mas também na vida das espécies animais e vegetais situadas na região.” O jesuíta foi além e afirmou que “trata-se de um projeto de cunho autoritário que visa beneficiar principalmente as empresas, ignorando os impactos socioambientais, por isso é necessário que a população seja mais informada, dando-lhe a oportunidade de tomar uma posição a favor da sustentabilidade e da preservação deste símbolo amazônico”.