Espiritualidade Ecológica Cristã em tempos de quaresma

Espiritualidade Ecológica

 

Segundo Leonardo Boff, em “Reflexões de um velho teólogo e pensador” (2018),[i] “a singularidade de nosso tempo reside no fato de que a espiritualidade vem sendo descoberta como dimensão do profundo do ser humano, como o momento necessário para o pleno desabrochar de nossa individuação e como espaço da paz no meio dos conflitos e desolações sociais e existenciais.”

Nesse sentido, é urgente que a humanidade desperte de sua letargia. Boff apela para que criemos juízo e aprendamos a ser sábios. Ele lembra que somos herdeiros de uma tradição que nos deve incentivar com força para isto. Nas escrituras judaico cristãs aprendemos que para viver devemos escolher a vida (Dt 30,28), e, também aprendemos que Deus se apresentou “como o apaixonado amante da vida” (Sb 11, 24). (ver p. 159). Boff em seu texto quase ‘grita’ ao escrever: “é urgente; não temos tempo a perder”A quaresma é esse bom tempo de optar pela vida que grita em nós.

É um pequeno grito que se soma a infinitos outros gritos, que se levantam em todos os recantos da terra, fazendo coro ao grande e insondável mistério de amor do ‘grito regenerador’ de Jesus Cristo. O Pe Lúcio Flávio Cirne,[ii] em sua tese doutoral, nos lembra a tríplice desobediência. Podemos ler na reflexão do autor um tríplice silenciar humano e um tríplice grito de Deus. Uma tríplice permanente chamada à conversão; talvez, melhor, uma tríplice permanente recriação ou regeneração.

“Onde estás”? Foi assim que Deus interpelou Adão. (Gn 3,9).  “Onde está o teu irmão”? Foi assim que Deus interpelou Caim. (Gn 4,9). “Como está a criação”? Assim interpela Deus a humanidade, não deixando que ela esqueça seu mandato de cuidar de tudo. (Gn. 1, 26-31; 2, 15). As perguntas ressoam na Bíblia Cristã. O seu sentido ressoa, também, nos textos sagrados das outras tradições. Deus interpela a humanidade, que se esconde de si mesma acovardando-se na indiferença. Deus interpela a humanidade, ao longo de toda a história e interpela através de todas as religiões. São perguntas que ressoam no universo, desde os primórdios da humanidade. São perguntas que a humanidade formula a si própria. Adão se escondeu. Caim matou Abel. A humanidade se esqueceu. A interpelação do Espírito de Deus é dirigida à humanidade que se esconde, à humanidade que mata e à humanidade que se esqueceu de sua condição mais original e divina, que é o cuidado da própria criação.

As três perguntas apelam para uma espiritualidade ecológica que nos ajuda nesse tempo de quaresma a viver uma conversão ecológica. Tudo está interligado. A salvação definitiva do ser humano envolve a “salvação da natureza” e a “salvação da humanidade”. Tudo gera e é fruto de uma ‘contaminação positiva’. … As três interpelações originárias apontam para três caminhos de regeneração, de ressurreição. Ou como nós gostamos de sintetizar a promoção da justiça socioambiental: o cuidado de nós mesmos; o cuidado dos outros e da sociedade; o cuidado da natureza.[iii]

Colocando-nos no horizonte da ecologia integral, que é uma das grandes bandeiras no ensino social do Papa Francisco, muito bem expressa tanto em suas Encíclicas Sociais (Laudato Si, 2015[iv] e Fratelli Tutti, 2020[v]), como, também, vigorosamente manifesta em seus gestos e ações concretas, logo nos daremos conta que esta ação contemplativa (ou este ser ‘contemplativos na ação’), nos deve envolver em todas as dimensões de nosso existir traçando caminhos de cuidado para com a vida e nos mobilizando para a reconciliação frente aos múltiplos descaminhos.

 

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[i] BOFF, Leonardo. Reflexões de um velho teólogo e pensador. Pág. 168. Petrópolis: Vozes, 2018.

[ii] CIRNE, Lúcio Flávio Ribeiro. O Espaço da Coexistência: uma visão interdisciplinar de ética socioambiental. São Paulo: Ed. Loyola, 2013.

[iii] COMPANHIA DE JESUS. Marco de Orientação da Justiça Socioambiental da Província. São Paulo: Loyola.2ª edição, 2021

[iv] FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Laudato Si’ sobre o Cuidado da Casa Comum. Documentos Pontifícios 22. Brasília: Edições CNBB, 2015.

[v] FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Fratelli Tutti sobre a Fraternidade e a Amizade Social. Documentos Pontifícios 44. Brasília: Edições CNBB, 2020.

INFORMAÇÕES DE CONTATO

José Ivo Follmann, SJ

Padre jesuíta, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNISINOS/RS e Diretor do Observatório Nacional Luciano Mendes de Almeida – OLMA.

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