Campanha da Fraternidade 2023: um apelo à encarnação redentora

Campanha da Fraternidade 2023 - Fraternidade e Fome

 

Sob o tema “Fraternidade e fome” e o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16), a Campanha da Fraternidade 2023 nos propõe um caminho neste tempo quaresmal e nos interpela a consideramos a dura realidade de milhares de irmãos e irmãs que, no nosso país, sofrem com o flagelo e a vergonha da fome. 

Quando Santo Inácio, em seus Exercícios Espirituais, propõe a contemplação da Encarnação ao exercitante, no início da Segunda Semana, ele evoca uma imagem muito pertinente:

Ouvir o que falam as pessoas sobre a face da terra, a saber, como falam uns com os outros, como juram e blasfemam etc. Do mesmo modo, (ouvir) como falam as pessoas divinas, dizendo: “Façamos a redenção do gênero humano…” (EE 107).

Essa posição em que Santo Inácio coloca o exercitante, isto é, ombro a ombro com a  Trindade que vê o mundo e o cotidiano dos seres humanos, sua comunicação e empreendimentos, sua maldade, tudo isto tem o intuito de fazer a pessoa rezar desde a posição desse Deus. Sem hesitar ou, simplesmente, desistir da obra de suas mãos, as Pessoas divinas decidem que a humanidade precisa ser resgatada daquela maldade que lhe corrompera.

Como não intuir que a fome, drama pelo qual atravessam milhares de pessoas, seja resultado da maldade humana em sua pior face, a da indiferença? Em nome de uma ecologia entendida de maneira equivocada, escondem-se os pobres de nossas cidades, ali onde eles são tratados como sujeira e poluição visual, sujeitos a toda sorte de escárnios e desprezo; ali nas periferias dos morros que os prédios das zonas mais abastadas tentam esconder com suas alturas. Os trajetos turísticos que se desviam dos bolsões de pobreza e miséria a todo custo para dar aos estrangeiros uma visão positiva de nossas cidades e a vontade de retornar a elas. De fato, essa é uma das maneiras como a pobreza vem sendo tratada em nossas cidades: tornando-a invisível, a ponto de ninguém precisar se incomodar com ela. Que maldade há pior que esta?

Assim, neste ano, a Campanha da Fraternidade nos motiva a fazer um sobrevoo, ao estilo daquela contemplação inaciana, sobre a realidade humana da fome. Esse sobrevoo, no entanto, haverá de encontrar pousada, ocasião de encarnação! Afinal, a CF não para na pura e simples sensibilização do olhar e do coração, mas pede que algo se faça. Nesse sentido, nesta quaresma, nossas comunidades cristãs poderão encontrar o aporte necessário para refletir e olhar à sua volta com novos olhos, procurando não apenas aliviar a fome pela doação de alimentos, mas lutando e cobrando dos poderes as devidas políticas públicas que sejam geradoras de vida aos irmãos e irmãs que estão sob o jugo terrível da fome.

Esta Campanha talvez nos leve a muitos de nós, católicos, à realidade concreta de quem passa fome. Num país que é celeiro de alimentos para o mundo e em que, de modo contraditório, a insegurança alimentar bate na porta de cerca de 33 milhões de habitantes, a realidade da fome deveria nos causar consternação.

O Papa Francisco, em 16 de outubro de 2020, Dia Mundial da Alimentação, expressou-se de maneira contundente:

Para a humanidade, a fome não é só uma tragédia, mas também uma vergonha. Em grande parte, é provocada por uma distribuição desigual dos frutos da terra, à qual se acrescentam a falta de investimentos no setor agrícola, as consequências das mudanças climáticas e o aumento dos conflitos em várias regiões do planeta. Por outro lado, se descartam toneladas de alimentos. Diante desta realidade, não podemos permanecer insensíveis ou paralisados. Somos todos responsáveis.

A nossa renovada concepção de ecologia integral deve sempre nos remeter ao ideal daquela harmonia necessária para que possamos viver bem. De nenhum modo, este ideal pretende isolar os pobres e famintos em vista de uma pretensa estética. Pelo contrário, procura colocá-los no centro de sua preocupação o quanto se fizer necessário, até que sejam tratados, sarados e acompanhados, e tenham as condições físicas e materiais que lhes devolvam a própria dignidade e, desde aí, lhes interpelem a consciência quanto ao muito ainda que temos que construir juntos, como sociedade.

INFORMAÇÕES DE CONTATO

Alex Palmer Sampaio Ribeiro, SJ

Padre Jesuíta, pároco da Área Missionária Santa Margarida de Cortona, em Manaus – AM, colaborador do Serviço Inaciano de Espiritualidade – SIES.

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