O trabalho de Fé e Alegria Boa Vista com as comunidades indígenas migrantes

Durante meses, FyA e a comunidade do Cantá vêm articulando o projeto de avicultura para a segurança alimentar de indígenas migrantes.
Fé e Alegria Boa Vista - indígenas migrantres

De acordo com dados estatísticos da ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), de 2017 quando inicia o fluxo migratório de pessoas refugiadas e migrantes em deslocamento da Venezuela para o Brasil até junho deste ano, aproximadamente, 7 mil indígenas foram registrados em diversos estados brasileiros. Entre os grupos étnicos presentes no país estão as etnias Warao, Pemón, Eñepa, Kariña e Wayúu e, 11% desse grupo já são reconhecidos na condição de refugiados, 55% estão com solicitação de refúgio e 33% possuem residência temporária. A população mais expressiva são os Warao, representando 70% dos povos tradicionais em mobilidade humana.

Diante dessa realidade, a  Fundação Fé e Alegria Brasil (FyA), unidade Boa Vista como parte do projeto “Laboratório de sustentabilidade e convivência com a Amazônia” realizou, no dia 3 de novembro, no assentamento do indígenas Warao e Kariña, no município de Cantá (RR), a entrega de pintinhos (aves) para  o manejo da comunidade. A atividade visa a segurança alimentar das famílias, a fim de que elas possam, a médio e longo prazo, obter mais uma fonte de alimento e proteína no dia a dia.

fya e indígenas migrantes

Segundo Marielys Briceño Altuve, coordenadora de desenvolvimento de projetos do FyA Boa Vista, a experiência do projeto foi maravilhosa. Ela afirma que  “este projeto não tinha recursos, não é um projeto socioprodutivo de alguém que vai lá e entrega algo e dá as costas e vai embora. Foi algo que demandou de nós articulação. Foi construído por alguns meses. É uma resposta para o que eles realmente queriam, e ver o rosto deles felizes, com os pintinhos, foi muito bom”, comentou.

fya e indígenas migrantes

O projeto de inserção da avicultura de postura foi articulado durante meses  pela equipe do Fé e Alegria e a comunidade local, recebendo apoio dos Missionários da Consolata para a compra de ração e animais. A comunidade estava organizada e dividida em seis grupos. Cada grupo recebeu uma dúzia de pintainhos para o manejo. A ração será possível fornecer  até fevereiro do próximo ano por meio da parceria construída.

Fé e Alegria Boa Vista - indígenas migrantres

Durante o dia de visita e entrega dos pintainhos, o candidato ao noviciado da Companhia de Jesus, Matheus Aguiar, que é veterinário e voluntário no Fé e Alegria de Boa Vista, dialogou com a comunidade sobre a melhor forma de receber e cuidar dos animais no primeiros dias e horas após a entrega. Foi um momento de troca de aprendizados e adaptações às condições de criação das aves na comunidade.

“Foi um momento propício para aplicar o que aprendi na faculdade. Levar um conhecimento técnico e, a partir da apresentação deste para a comunidade, discutir com os responsáveis qual a sua experiência na criação e como podemos adaptar a partir do seu conhecimento em como receber e criar os animais, respeitando as condições de bem-estar e sanidade. Foi um momento de aplicar a extensão rural, uma forma de promoção a partir da troca de saberes, uma das áreas que mais admiro”, relatou Matheus. Afirmou ainda que “percebe nestes povos uma grande fortaleza e poder de resiliência e adaptação mesmo diante das dificuldades.”

O trabalho do Fé e Alegria junto aos povos tradicionais migrantes

Marielys é migrante venezuelana, camponesa, formada em direito e educação e compõe a equipe de Fé e Alegria. Ela realiza com a Instituição um trabalho de pesquisa junto com a população Warao e Kariña no assentamento de Cantá e apoia outras etnias em ocupações de Roraima e na Guiana. Recentemente, Marielys defendeu seu mestrado na Universidade Federal de Roraima e durante o tempo acadêmico foi possível produzir cartilhas de ritos e costumes dos povos indígenas, em parceria. Esse material será disponibilizado como forma de manter viva a memória cultural desses povos, em breve.

“Foi um mestrado interdisciplinar que promoveu uma visão diferente do que até então havia estudado. Desenvolvi um projeto que tinha por objetivo analisar e compreender o processo de deslocamento, desde as configurações territoriais e espaciais das populações indígenas migrantes. Como essa população vem se adaptando ao espaço, sem perder e reconfigurando sua identidade, como conseguem se relacionar com os outros e se posicionando a partir do entendimento de onde estão, como conseguem lutar e se impor diante das injustiças e não reconhecimento de quem eles são, marcando uma posição. Me impressiona ver como estas pessoas tão humildes, que mal falam espanhol conseguem se posicionar. Ver como eles tomam decisões, os que preferem permanecer em Lethem (Guiana), mesmo com as condições de lá (menos favoráveis que do Brasil) diz muito sobre eles, de sua autonomia, independência”, explica a coordenadora de projetos do FyA Boa Vista.

Serviço de Acolhida

A implementação de abrigos provisórios destinados ao acolhimento institucional dos Warao é regulamentada pela Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)54, enquadrando-se no artigo 1º, inciso III, letra d: Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências. Esse serviço é oferecido no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), sendo considerado um Serviço de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, cuja competência de execução é dos municípios ou estados, cabendo à União o financiamento e apoio técnico, conforme as demandas apresentadas.

No contexto Warao, as ações de abrigamento estão entre as medidas de proteção adotadas em diferentes cidades, porém, tendo em vista as especificidades socioculturais do grupo, elas precisam passar por adaptações, a fim de que haja a adequação cultural da resposta emergencial.

Uma dessas iniciativas de resposta aconteceu por meio de um grupo de colaboradores ligados à Diocese de Roraima. Eles adquiriram e doaram um terreno para assentar famílias indígenas, acolhendo, atualmente, cerca de 18 núcleos familiares que se organizaram para a produção de artesanato como uma forma de gerar renda nesse novo país. São cestas, redes e colares feitos da palha do moriche (buriti) e colares feitos a partir de missangas e sementes. Atualmente, estão explorando o mercado de e-commerce, realizando a venda de seus produtos pela internet. Fé a Alegria auxilia essas famílias por meio da criação do portfólio fotográfico dos artesanatos confeccionados. Com essa iniciativa,  a indígena Leany Torres, da etnia Warao, de 32 anos, já deu um novo passo na venda de seus artesanatos, agora ela tem registro de MEI (Micro empreendedor Individual) e uma empresa , a “Eco Warao”.

fya e indígenas migrantes

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A fundação Fé e Alegria, também auxilia a comunidade em suas demandas, buscando meios para que haja promoção e atendimento digno.

Lançamento da Coletânea sobre indígenas migrantes

Fé e Alegria Boa Vista - indígenas migrantres - DivulgaçãoNo dia 21 de novembro de 2022, às 18h30 (horário de Roraima), será o lançamento da coletânea dos resultados da dissertação de Marielys sobre itinerários indígenas migrantes: povos E’ñepa e Warao no Brasil, no auditório do Programa de Mestrado Sociedade e Fronteiras (PPGSOF) da Universidade Federal de Roraima (UFRR). O lançamento acontecerá durante o  V Seminário Internacional de Sociedade e Fronteiras: territorialidades e conflitos socioambientais na Amazônia.

“A primeira história de vida que eu ouvi, a história da Sarha Gando “A última expressão” foi que – quem não viaja perde. Quando eu comecei a pesquisar o grupo, e eu que sou camponesa e eles eram indígenas, no final eu entendi que tínhamos um vínculo e semelhanças. E eu pensava que como eu chorava, vivia chorando, porque eu não estou na minha terra… Eu pensei que depois de sair e estudar eu voltaria e estaria na minha terra, para ajudar minha família. Ela pertenceu ao meu tataravô e cada árvore tem uma história… um trabalho familiar. A minha terra para mim era tudo. E quando ela falou assim, me impressionou e me fez mudar o meu processo.  Antes pensava que tinha de voltar, hoje eu sei que tenho de procurar outra forma e replanejar minha vida.  Olho para eles e vejo que eles conseguem, então eu também posso conseguir… Eles todos me ensinaram que é possível viver a mobilidade de outra forma.” (Relato de Marielys).

 

  • INFORMAÇÕES DE CONTATO

    Ana Lúcia Farias

    Publicitária e educomunicadora. Especialista em Comunicação e Design Digital e Responsável pelo Escritório de Comunicação dos Jesuitas do Brasil na Amazônia.

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