O Brasil é o país recordista mundial no consumo de agrotóxicos e encerrou o último ano (2021) com 562 agrotóxicos liberados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Entre os venenos agrícolas aprovados estão produtos banidos na Europa e Estados Unidos, tal a nocividade à saúde. Em 20 anos, este foi o maior registro da liberação de agrotóxicos que já houve na história do país.
Nesse cenário é que as discussões e ações sobre o uso desses venenos e da problemática das monoculturas se faz ainda mais presente dentro das lutas das Pastorais Sociais da Arquidiocese de Santarém. Isso porque o avanço do agronegócio na região e a expansão da fronteira agrícola da soja e milho (que já ocupa 70 mil hectares de plantação local) têm impactado diretamente o Planalto Santareno, que engloba os municípios de Santarém, Mojuí dos Campos e Belterra no Pará. A região há duas décadas é fortemente atingida pelo uso dos agrotóxicos.
Pe. Guillermo Antônio Cardona Grisales, SJ, de 2014 até o início deste ano (2022), acompanhou de perto a situação caótica na região. O ato de observar, documentar e acompanhar as lutas de resistência pela terra, pela defesa da natureza e dos direitos humanos sempre foram marcas do missionário colombiano. Dessas vivências e escutas do povo nasceu o Relatório Agrotóxicos no Planalto Santareno.
Segundo ele, o relatório “é um esforço para demonstrar uma análise da realidade complexa dos efeitos e consequências do uso de agrotóxicos na vida da população residente da região do Planalto Santareno.” O jesuíta também afirmou que “uma das finalidades é colocar em evidência o problema dos agrotóxicos para uma sensibilização ética, moral e de fé das autoridades da Igreja para transmutar a forma de ver essa produção alimentar venenosa.” Para ele, alguns não enxergam problema neste tipo de produção que espolia a terra e põe comida envenenada na mesa do povo.
O Relatório foi construído metodologicamente na interface entre indicações de pesquisas e dados compilados por especialistas sobre os efeitos dos agrotóxicos e sobre o contexto do Planalto Santareno, no intuito de aprofundar a questão e problematizar a temática e no de trazer depoimentos de agricultores familiares sobre as consequências dos agrotóxicos em suas vidas, expondo dramas reais e desafiadores que as comunidades rurais, particularmente, têm enfrentado.
O lançamento do relatório foi apoiado pelo Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES) na Preferência Apostólica Amazônia (PAAM) e financiado pelo Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA), o qual subsidiou a edição do documento.
No lançamento do relatório, que ocorreu ontem (5), em live pública organizada pelo SARES, Pe. Guillermo evidenciou o mapa do Plano Diretor da cidade de Santarém, aprovado em 2018, que assinalava as terras aptas e destinadas para a agricultura, entre elas, a agricultura industrial que está em expansão muito acelerada. Entretanto, o Plano desfavorece a agricultura familiar, que, segundo ele, compromete a segurança e soberania alimentar da região.

No mapa apresentado é possível ver o desenvolvimento de um modelo hegemônico de monocultura de soja. De acordo com o jesuíta essa lógica de desenvolvimento inicia no Mato Grosso e sobe ao Pará, em corredor do escoamento da soja.
A Revolução Verde foi um dos temas também refletidos durante o lançamento. Trata-se do termo cunhado sobre um modelo de produção de alimentos em grande escala em áreas cultiváveis, fundamentado nos agrotóxicos e iniciado nos anos 60. Para o jesuíta, este modelo de desenvolvimento tem demonstrado ser um fracasso, pois muda um ecossistema, a forma de se fazer agricultura, causa danos à saúde do povo (alguns irreparáveis) e destrói o visual paisagístico de áreas cênicas, principalmente da Floresta Amazônica.
Ele também apontou os caminhos que percorreu para traduzir a problemática dos agrotóxicos, provocando para se pensar a partir dos seguintes norteadores: as políticas públicas e incentivo ao agronegócio, os impactos na posse e uso da terra, as ameaças e expulsões do povo do campo, os impactos do modelo de agricultura tradicional e nas paisagens, o comprometimento da segurança alimentar, os impactos na produção da agricultura familiar, a extinção de comunidades, os impactos na elevação das temperaturas e mudança do clima, os impactos sobre o meio ambiente e desmatamento e sobre os agentes polinizadores, as consequências para a saúde, a exposição do trabalhador rural aos agrotóxicos e a migração paras as periferias dos centros urbanos e marginalização.
Padre Guillermo, com esta enorme contribuição para o Brasil, Amazônia brasileira e principalmente para o povo santareno, parte para uma nova missão na Amazônia Colombiana nos próximos dias, mas deixa um legado de luta e perseverança de caminhada com o povo em suas dores e resistências.