A Entrevista ESPECIAL com a Profa. Dra. Simone Pereira da Universidade Federal do Pará – UFPA é uma série de três partes. Todos os dias ela responde duas perguntas sobre o tema Mercúrio e Água. Esta é a parte III.Última. Quer ler a anterior? Clique aqui.
ENTREVISTA
– Sobre grandes empreendimentos: O caso do vazamento de rejeitos que contaminaram o rio Murucupi na região de Barcarena, município do Pará, completou quatro anos em 2022. Como pesquisadora na região, o que pode dizer sobre o caso e qual a situação atual?
O caso de Barcarena é um caso emblemático. Ele aconteceu em 2018 e se tratou do vazamento de efluentes de Lama Vermelha no rio Murucupi, produzido pela empresa Hydro Alunorte, multinacional de capital norueguês. Já são quatro anos do ocorrido e até hoje não houve nenhum tipo de remediação do rio Murucupi.
Desde 1996, quando se implantou no Polo Industrial de Barcarena, a empresa Hydro Alunorte, produtora de alumina a partir do minério de bauxita, tem utilizado este rio, para o descarte de efluentes causando impactos ambientais significativos. Antes da implantação desta empresa, o rio Murucupi era um rio preservado, um rio de águas límpidas, onde as populações tradicionais, principalmente quilombolas, usavam o rio Murucupi para pesca e para o consumo de água. Porém, depois que essas indústrias se implantaram e as notícias de que o rio estava sofrendo impacto ambiental por elementos tóxicos surgiram, as pessoas pararam de usá-lo. Hoje em dia, as pessoas têm receio de usar a água desse rio, até mesmo para irrigação ela se tornou imprópria, devido a presença dos elementos tóxicos.
O Laboratório de Química Analítica e Ambiental (LAQUANAM) da UFPA, do qual sou a coordenadora, já realizou a análise da água, do sedimento, dos peixes e das plantas do rio Murucupi e foi possível identificar os elementos tóxicos presentes nestas matrizes, principalmente chumbo e cádmio, ambos cancerígenos. O chumbo causa uma doença chamada Saturnismo, que provoca danos em vários sistemas do corpo principalmente no sistema nervoso central, causando irritabilidade, loucura e até a morte. Nas crianças a contaminação por chumbo, mesmo em pequenas quantidades, pode afetar gravemente seu desenvolvimento físico causando nanismo e o desenvolvimento mental. O cádmio, que é bioacumulativo como o mercúrio, provoca uma doença chamada Itai-itai, que causa problemas nos ossos com deformidades e é muito dolorosa. A situação que acontece em Barcarena é recorrente, já houve vários vazamentos, vários transbordamentos, explosões de produtos perigosos, etc. desde que estas empresas se instalaram no Polo Industrial na década de 80. Existem outras empresas, além da Hydro Alunorte que também causam problemas na região como a Imerys RCC, que tem causado impactos ambientais no Rio Curuperê e Dendê. Qualquer pessoa que vai lá em Barcarena pode comprovar isso. Na ilha São João que é um local de pescadores, utilizavam o Rio Dendê para tirar seu alimento, mas agora precisam se deslocar a longas distâncias para poder conseguir pegar o peixe isento dessa poluição.
A situação lá de Barcarena é uma situação crítica, pesquisas recentes realizadas pelo LAQUANAM, LACEN-SESPA e pelo Instituto Evandro Chagas, comprovaram a presença de elementos tóxicos nos moradores. Após o vazamento de lama vermelha da Hydro Alunorte, ela assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público Federal. Este TAC trouxe algum benefício para o meio ambiente e para a população local? Além de cestas básicas, distribuídas aos moradores, não temos notícias sobre o tratamento do efluente para a retirada dos elementos tóxicos, sobre a recuperação do rio Murucupi, sobre o tratamento da saúde da populações que já possui comprovação de contaminação desde 2018 e outras questões. Só para ter uma ideia até hoje ainda se discute algumas questões do TAC que segue sendo supervisionado pelo MPF. Sempre me questiono porque alguns problemas socioambientais de Barcarena são tão difíceis de resolver?
Além da situação da Hydro, a população cobra das autoridades que o tratamento de efluentes seja feito também por outras empresas localizadas no distrito industrial. O MPF e o MPPA, algumas vezes, já interditaram as bacias por vazamentos e até risco de rompimento, que aconteceu em 2007 em uma das bacias da empresa Imerys RCC. Desta maneira, podemos concluir que a questão de Barcarena precisa ser revista de forma mais efetiva para garantir a saúde da população local e a preservação do meio ambiente na região.
– Nos últimos anos o garimpo e mineração em terras indígenas cresceram e com isso o mercúrio entrou nas comunidades indígenas, afetando, entre tantos, mulheres e crianças. Em suas pesquisas, quais fatores são mais alarmantes?
Os garimpos em terras indígenas para mim é o absurdo dos absurdos. Já existe uma legislação que impede este e outros tipos de atividades em terras indígenas, mas a gente sabe que a realidade é outra, as pessoas simplesmente ignoram a legislação e invadem as terras protegidas causando impactos ambientais enormes nestas áreas. Em Altamira-PA, é um caso desse, agora estamos com uma pesquisa naquela área, em parceria com o MPF, analisando mercúrio e arsênio em rios próximo às aldeias indígenas que utilizam o Rio Curuá, Baú e Curuares na terra da etnia Caiapó. Até agora o que podemos dizer é que a situação já é preocupante em relação ao mercúrio que analisamos em peixes e tracajás consumidos pelos indígenas e que a longo prazo podem trazer problemas sérios de saúde. O rio Curuá, que é um rio altamente impactado pelo garimpo, já apresenta uma mudança significativa na qualidade da água, este impacto é visível, principalmente em relação a turbidez da água, que se encontra muito elevada devido o material particular proveniente dos garimpos. A turbidez sendo alterada todo o processo de fotossíntese das plantas também é alterado. O fitoplâncton, que é o principal alimento dos peixes, precisa da luz do sol para realizar a fotossíntese, isso não acontece quando se tem o aumento exagerado da turbidez. Se o processo de fotossíntese é interrompido, ocorre a diminuição da produção de oxigênio pelo fitoplâncton. Todo esse processo está conectado com outros processos que, se alterados, pode causar o desequilíbrio ambiental.
Mas, quando falamos, particularmente, da questão indígena acaba sendo um processo de extermínio a longo prazo. Afinal, se a água do rio se torna imprópria para consumo e o indígena deixa de consumir a água do rio para consumir a água de poço e esta também é imprópria haverá contaminação por elementos tóxicos nas aldeias e os indígenas poderão desenvolver doenças. A relação com a água é própria da vida dos povos indígenas. Eles vão tomar água de onde? É necessário tomar providências. Ali na região da Volta Grande do Xingu a ação da polícia acontece, inclusive, destruindo maquinários e balsas, mas esta ação precisa ser constante e efetiva, para que não voltem a realizar a atividade. As pessoas acham que tem o direito de fazer exploração, mas não querem seguir as normas da legislação brasileira. Se é terra indígena simplesmente não se pode fazer garimpagem.