Sociedade e meio ambiente, um diálogo necessário

Sociedade e Meio Ambiente

 

A Natureza é o suporte imprescindível de sustentação da vida, inclusive da vida humana. Assim, é possível afirmar que a Natureza é fonte de vida. Ela fornece as energias, os fluxos, as potencialidades e as condições propícias para que a vida continue acontecendo de forma plena e equilibrada no planeta, sendo necessárias a sua valorização e proteção. Essa realidade também implica a obrigação de refletirmos sobre as relações entre a sociedade que construímos e o meio ambiente que nos envolve, uma vez que tais relações apresentam sinais evidentes de desrespeito e agressão.

Apesar de todas as conquistas alcançadas pela humanidade, ela tem desenvolvido pouco o diálogo com a natureza. Não há dúvidas sobre o grande desenvolvimento científico, tecnológico e econômico ocorrido nos últimos séculos, por outro lado esse desenvolvimento tem gerado impactos negativos sobre o meio ambiente, colocando em risco até a existência da humanidade. Dessa forma, podemos afirmar que esse desenvolvimento é acometido por uma grave cegueira, uma vez que não vislumbra ou ignora as suas consequências e efeitos deletérios para a vida em geral.

Antropoceno é o nome que foi dado à época em que vivemos, indicando o impacto da ação do homem no planeta a partir da revolução industrial (século XVIII). Antes, as mudanças no planeta eram motivadas pela ação da natureza, como o choque com esteroides que causou a extinção dos dinossauros, há 66 milhões de anos. Atualmente, tais mudanças são percebidas a partir da intervenção humana, que se torna cada vez mais agressiva. Por exemplo, ao lançar no ar fumaça de automóveis, de chaminés e provocar queimadas, a humanidade impactou a atmosfera, provocando o aumento de temperatura de 1º grau, o derretimento das geleiras e o aumento do nível do mar.

O impacto humano no meio ambiente é inegável! A construção de 40 mil barragens nas últimas décadas acarretou o alagamento de grandes porções de terras, afetando não somente o fluxo das águas, mas também a vida de muitas espécies e diferentes culturas. Em 2021, para falar somente das florestas tropicais brasileiras, 15,5 mil km² foram devastados, o equivalente a 40% da perda registrada em todo o mundo. Diante dos variados impactos da sociedade no meio ambiente, os mais recentes estudos alertam sobre a iminência de um colapso ambiental provocado pelo estilo de vida moderno e capitalista.

Por contraditório que pareça, o avanço das ciências e da tecnologia não tem proporcionado a clarividência de que a humanidade está criando as condições para a sua própria destruição. O homem, por seu egoísmo cego em relação aos seus próprios interesses, por sua inclinação a explorar tudo o que está a sua disposição, por sua irresponsabilidade em relação ao futuro e em relação ao seu semelhante, trabalha para o aniquilamento de seus meios de conservação e a destruição de sua própria espécie.

Como se nota, essa lógica da destruição não afeta somente a Natureza, mas produz efeitos corrosivos no tecido social, expondo as feridas do sistema capitalista. Os desastres ambientais causados pela ação humana rebatem de forma particular sobre as populações mais vulneráveis. O racismo ambiental expressa os impactos desiguais dessas ações destrutivas do homem sobre a Natureza. Proporcionalmente, as dificuldades de os mais pobres se recuperarem de um desastre ambiental são visivelmente maiores do que as dificuldades sentidas pelas populações mais ricas. Aos pobres são reservados os maiores sacrifícios, as maiores perdas e os maiores traumas. Por mais globalizado e interligado que o mundo esteja, os pobres pagam as contas mais caras.

Fato especialmente revoltante é que o meio ambiente está sendo destruído para beneficiar a uma reduzida elite econômica e financeira. A grande maioria dos recursos extraídos da natureza não chega aos mais pobres, tendo estes que se contentarem com os despojos, os serviços precários ou a ausência total deles. Atualmente há no mundo 2,5 bilhões de pessoas sem acesso adequado à água potável, 4,5 bilhões sem acesso a saneamento básico e 3 bilhões de pessoas não possuem instalações básicas para lavagem das mãos (UN, The Sustainable Development Goal Report 2020). Isso é reflexo da crescente desigualdade social produzida por um sistema econômico e político perverso e ambientalmente insustentável.

A destruição da natureza e o sofrimento dos pobres não são realidades diferentes, mas estão intimamente relacionadas. As elites econômicas, principais responsáveis pelo iminente colapso ambiental, são as mesmas que alastram a precarização da vida pelo planeta. A ambição pelo lucro a todo custo, que transforma tudo em mercadoria, produz a destruição do meio ambiente promovendo o aumento do desmatamento, a poluição das águas, a extinção da biodiversidade e o aquecimento da temperatura global. Para ampliar ainda mais os seus rendimentos, tais elites também extorquem os mais pobres, se apoderando dos recursos públicos, privatizando as cidades, explorando os trabalhadores e precarizando a vida dos pobres. Não é por acaso que o 1% dos habitantes mais ricos do mundo possuem mais riqueza do que os 99% restantes da população global.

Se há dificuldades em reconhecer os direitos humanos há também resistências poderosas em adotar os direitos da natureza, pois não são realidades diferentes. Os direitos da natureza implicam reconhecer o meio ambiente como sujeito de direitos. Esse reconhecimento é resultado da sintonia estabelecida entre a sociedade e o meio ambiente numa relação de respeito e cordialidade. Da mesma forma que a natureza dispõe dos seus recursos para o sustento do homem, este retribui tal generosidade preservando e cuidando do ecossistema.

Ciente de que a devastação ambiental mina as suas próprias condições de existência, a humanidade é convidada a reorientar os seus ideais de felicidade, permitindo a vida se expandir nas suas diversas expressões e peculiaridades. A imposição de um único ideal de vida, pautado pelo consumismo, pelo crescimento econômico sem limites, pela competitividade histérica e pela propriedade privada ameaça a diversidade interligada do meio ambiente. A natureza tem muitas lições de vida a oferecer, basta a humanidade se dispor para este aprendizado. Se quisermos construir sociedades verdadeiramente sustentáveis é preciso ver a natureza como mestra, colocando em prática noções como diversidade, ciclos, equilíbrio dinâmico, parceria e energia solar.

Para romper com o atual paradigma de destruição impõe-se a necessidade do envolvimento de todos e todas, exigindo iniciativas individuais e coletivas. A atuação da equipe de Educação Ambiental que atuou na Solenidade de Pentecostes de Manaus, em 2022, pode ser um pequeno exemplo do que a organização coletiva pode fazer pelo meio ambiente. É preciso, porém, que esse senso de mutirão ambiental ganhe amplitude, repercutindo nas decisões políticas e reconfigurando o sistema econômico, a fim de torná-lo menos predatório e injusto e mais sintonizado com as dinâmicas e processos ambientais.

A emergência dos direitos da natureza constitui uma oportunidade de reconciliação com o meio ambiente, antes de causarmos a ele prejuízos incontornáveis. Gostaria de finalizar este pequeno texto resgatando a Encíclica Laudato Sí, do papa Francisco. Nesta Carta, ele convida a todos e todos a se colocaram numa postura de contemplação da natureza, reconhecendo os vínculos profundos que nos unem a ela, mas também alertando sobre a nossa irmandade que veicula as atitudes de cuidado e respeito.

INFORMAÇÕES DE CONTATO

Sandoval Alves Rocha, SJ

Doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG). Membro da Companhia de Jesus (Jesuíta), atualmente é professor da Unisinos (RS) e Assessor no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), sediado em Manaus/AM.

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