Neste mês de maio, os indígenas da etnia Warao celebraram o Dia das Mães de um jeito diferente no bairro São José, na cidade de Cuiabá (MT). Na ocasião, um novo Tapiri da Consolata foi feito com nove folhas de palmeiras trançadas à mão e colocadas de uma forma que parecessem uma gruta e ali colocaram uma imagem de Nossa Senhora de Lourdes coroada com seda de buriti trançada, uma estampa de Nossa Senhora da Consolada e outra de Guadalupe. Diante do momento, os padres jesuítas Aloir Pacini e José Miguel Clemente prepararam uma reflexão acerca da vivência das mães Warao. Confira!
Nossa Senhora está (des) Aparecida: Oh Brasil, por que matas as nossas mães e seus filhos?
Pe. José Miguel Clemente Clavijo, SJ
Pe. Aloir Pacin, SJ
No dia 14 de maio do ano 2023, às 7 horas da manhã, num espaço escolhido pelos Warao, na Rua 2, Casa 4, Quadra 20, no Bairro São José de Cuiabá (Mato Grosso, Brasil), celebrou-se o Dia das Mães. O Tapiri Novo de Maria foi feito com nove folhas de palmeiras trançadas à mão e colocadas de tal forma que parecessem uma gruta. Foram penduradas no seu interior algumas figuras também trabalhadas com a película de folhas novas de buriti, eram elas: uma tartaruga e três cestinhos para guardar tesouros.

Nesse tapiri novo de Maria da Consolata recordamos mulheres mães que ficaram no caminho velho da rejeição aos estrangeiros que vieram da Venezuela, especialmente aos Warao: a mãe de Hernaida e Rabel, a senhora Delia Estrella (85 anos) que faleceu em Porto Velho (RO); a senhora Hermelinda Rivero Estrella (45 anos) que faleceu em Boa Vista (RR) e deixou três filhos órfãos; em Manaus (AM), faleceram Elva Rivero (67 anos)[2] e a mãe de Nilda Pacheco – a Julia Pacheco Ávila (53 anos) – que encantou; em Belém (PA), faleceu a senhora Rosa Moraleda (78 anos) no ano de 2019.
A vida hoje da família Rivero Zapata foi trançada com as forças dos ancestrais venezuelanos e Warao de mais longe, porque em seu território natal também estão as sepulturas dessas histórias. Em Cuiabá, foram três crianças Warao que faleceram no ano passado.
O que dá razão da esperança dessa nova aglutinação de Warao, em espaço ainda bastante provisório, são as muitas crianças ainda vivas que querem homenagear as suas mães pela vida recebida, que as sustentava. Vidas derramadas no caminho como as folhas de palmeiras que agora dão sombra e protegem nossas costas nesse pequeno santuário, e assim enfeitam nossos olhares em dia de festa para as Mães.
Viemos para celebrar a vida e encontramos a morte que foi deixada pelo caminho. Sempre que uma mãe Warao falece, Nossa Senhora fica um pouco mais (des)Aparecida. Quando falece uma criança, as mães Warao choram, porque seus ventres maternais desejam transmitir a vida. O tapiri novo da Senhora de Consolata também é de Guadalupe, de Lourdes, de Fátima, e se chama Nossa Senhora Aparecida, porque não fica em seu trono para ser coroada pelas crianças, ela vem para o meio dos seus filhos.
Uma celebração com bandeirolas que faz dançar os jovens, com uma comida preparada que é tão importante para a vida prosseguir saudável ao longo deste maio, que foi chuvoso de esperanças até aqui e seguirá caloroso e seco daqui por diante.
Essas e outras tantas mães são as primeiras que darão a vida pelos filhos e filhas. Por isso, a ternura do novo tapiri, da Divina Pastora, segue cuidando dos seus filhos em aldeias que se formam por esse país.
Desde as margens do rio Orinoco às margens do rio Coxipó já poluído, que entra no rio Cuiabá, as folhas da vida e das culturas diferentes são trançadas com as mãos e os corações. Muitos sonhos e muito amor fazem superar as dificuldades diárias, e muita solidariedade precisa ser institucionalizada numa escola formal para que os filhos não sofram bullying, e seja adequada para atender a especificidade dessa etnia que torna mais colorida nossa cidade. Muitas irmãs, mães e companheiras brasileiras da mesma caminhada se tornam capazes de se aproximar e fazer alianças com os homens para o bem viver que germina aqui e ali, também em Cuiabá.
O tapiri novo não só é um espaço da vida Warao em Cuiabá, é também a sua fé, pois a fé move seus passos e seus corações. A fé da Igreja teve em Dom Diego Nistal (1924) uma opção séria: a evangelização e promoção humana no delta do Orinoco. O fio condutor de que passou a acompanhar as comunidades Warao ficou registrado no XVI Encontro da Pastoral Indígena da Prelazia Eclesiástica do Vicariato da cidade de Tucupita, na Venezuela: “Buscar el caminho donde el Pueblo warao pueda ir poco a poco, construyendo una Iglesia con rostro, pensamento y corazón propios” (2014). Por aqui, ainda estamos procurando uma Igreja Warao inculturada e encarnada, com face, pensamento e coração próprios.
O tapiri novo dessa Igreja jovem e missionária bate de frente com estruturas velhas da sociedade e suas instituições cuiabanas que esqueceram suas origens e comunidade cristã que antes apoiava a missão evangelizadora com os povos indígenas na Prelazia de Diamantino. Essa Igreja de rosto próprio, pensamento e coração que vem da Venezuela, dos territórios Warao, trazem água viva para lavar e sopro do Espírito para arejar as brigas pelo poder e presenças clericais, por isso torna-se uma igreja (des)Aparecida onde o povo de Deus está refém do clericalismo que abençoa o apagamento dos pobres, migrantes, venezuelanos, Warao.
Se deixarmos que a Divina Pastora de Tucupita dê vida no Caminho dessa Igreja (des) Aparecida na caminhada do povo de Deus que está como ovelha sem Pastor atualmente por aqui, teremos, talvez, futuro. A mensagem que deixaram os Warao após o dia das mães foi: No estoy yo aqui que soy tu Madre? E mais “Oriwakame yoataya Koati daose raja aisiko, Dioso auka noizaia jate!“ [Trabalhamos com Alegria porque estamos com o Filho de Deus].
[1] Mairelis Zapata, grávida de sete meses, recebe o rosário das mãos de sua irmã Analis Zapata e o passa para Levia Zapata, as irmãs parteiras dessa nova casa comum (tapiri). Acolher o rosário aquecido pelas mãos das mulheres Warao que rezam, uma delas grávida, para ser o presente doado ao casal Ilda Alves e Sebastião Brandão do Nascimento, voluntários que deixaram a casa dos Warao mais habitável foi mais um passo para chegarmos a ter uma escola Warao em Cuiabá.
[2] O esposo de Elva Rivero, pai de Maria del Valle Zapata Rivero, Paulino Zapata (80 anos), também faleceu em Manaus em 2019.