Entre os dias 16 e 26 de junho, acontece em Bonn, na Alemanha, a 62ª sessão dos Órgãos Subsidiários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (SB62), etapa preparatória para a COP30, que será realizada em Belém (PA), no mês de novembro. A Companhia de Jesus, por meio de representantes de diferentes redes e obras, marca presença nesse processo, contribuindo com reflexões, denúncias e articulações pela justiça climática. A seguir, reunimos os relatos e impressões de alguns desses participantes, organizados por dia, acompanhando a caminhada rumo à COP30.
Dia 1, 16 de junho: Dia de Abertura
Assista à mensagem em vídeo da Dra. Antoinette Nestor (Universidade de Cambridge)
Reflexão de Richard Solly – Responsável por Incidência e Campanhas da Jesuit Missions UK
Chegar à minha primeira conferência climática justo na festa do meu santo padroeiro, São Ricardo de Chichester, poderia ter parecido um bom presságio — mas não foi. Cheguei atrasado por conta de atrasos nos trens (perdi os protestos em solidariedade a Gaza e também o horário previsto para o início das atividades). O clima parecia tropical, com muito calor e umidade. E os trabalhos oficiais do dia — a abertura da conferência SB62 — foram adiados várias vezes devido a desacordos sobre a agenda. Fui lembrado das palavras do Papa Francisco em sua Carta Encíclica Laudato Si’: “O fracasso das cúpulas mundiais sobre o meio ambiente demonstra que a política está subordinada à tecnologia e às finanças. Existem interesses particulares demais, e os interesses econômicos acabam prevalecendo facilmente sobre o bem comum…” (Laudato Si’, 54)
Um dos principais motivos para os impasses que impediram muitos dos acordos esperados na COP29, realizada em Baku, em novembro passado, foi o dinheiro. Aqueles que o têm, não querem repassá-lo àqueles que precisam. Como apontou o Papa Francisco: “Existe uma verdadeira ‘dívida ecológica’, particularmente entre o Norte e o Sul globais, ligada a desequilíbrios comerciais com efeitos no meio ambiente e ao uso desproporcional dos recursos naturais por parte de alguns países ao longo do tempo… O aquecimento causado pelo consumo excessivo de certos países ricos tem repercussões nas áreas mais pobres do mundo, especialmente na África, onde o aumento da temperatura, somado à seca, tem sido devastador para a agricultura.” (Laudato Si’, 51)
Esses desacordos continuam a impedir avanços. Como refletiu um colega da Rede de Atores Católicos pelo Clima e Meio Ambiente: “Fico imaginando como será o fim, se começamos assim.”
Como a plenária de abertura parecia estar adiada por tempo indefinido, participei de um evento paralelo sobre migração climática — que também será o tema do nosso evento jesuíta, marcado para terça-feira, 24 de junho, às 18h30 (horário da Europa Central), com transmissão ao vivo. Laudato Si’ menciona especificamente essa questão: “Há um aumento trágico no número de migrantes que fogem da crescente pobreza causada pela degradação ambiental. Não são reconhecidos pelas convenções internacionais como refugiados; carregam a perda da vida que deixaram para trás, sem qualquer proteção legal. Infelizmente, existe uma indiferença generalizada diante desse sofrimento, que continua a acontecer em todo o mundo. A nossa falta de resposta a essas tragédias, que envolvem nossos irmãos e irmãs, revela a perda do senso de responsabilidade por nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a convivência civil.” (Laudato Si’, 25)
Entre outras histórias, ouvimos sobre os milhões de cabeças de gado que morreram por causa da seca no Quênia nos últimos anos, e as milhares de pessoas deslocadas — primeiro pela destruição de seus meios de subsistência com a pecuária e depois pela destruição de suas casas devido às enchentes devastadoras que vieram após a seca. Mudanças nos padrões climáticos como essas são sinais claros da crise climática. É justamente para enfrentar situações assim que o Fundo de Perdas e Danos foi criado — mas, como apontaram participantes do evento, mesmo que esse fundo funcione, ele fornecerá dinheiro às comunidades afetadas. Mas como atribuir um valor financeiro à perda de um modo de vida, de um lugar cheio de memórias e dos restos mortais de ancestrais, de uma comunidade que viveu junta por gerações, quando as pessoas são forçadas a partir? Lidar com as “perdas não econômicas” causadas pelo caos climático pode ser ainda mais difícil do que tratar das perdas financeiras. Essa dor e sofrimento humanos precisam ser lembrados por aqueles que se apegam à sua riqueza, quando esta claramente precisa ser partilhada, ou a um modo de vida que prejudica o clima, quando este já deveria ter sido deixado para trás.
Como escreveu o Papa Francisco: “Precisamos fortalecer a convicção de que somos uma única família humana. Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que nos permitam isolar-nos, e muito menos há espaço para a globalização da indiferença.” (Laudato Si’, 52)
Richard Solly, Jesuit Missions UK
(publicação original: Jesuit Missions UK)
Destaque do dia por Daniela Alba – Coordenadora de Incidência no Secretariado de Justiça Social e Ecologia (SJES)
A 62ª sessão dos Órgãos Subsidiários da UNFCCC (SB62) teve início na segunda-feira, 16 de junho de 2025, no Centro de Conferências Mundiais em Bonn, Alemanha, reunindo delegados de todo o mundo para avançar nas negociações técnicas sobre ação climática antes da COP30 em Belém, no Brasil.
Encorajamos fortemente todas e todos a se engajarem nesse esforço, enquanto nos preparamos para a jornada rumo a Belém, em novembro. Agora, mais do que nunca, as negociações sobre acordos climáticos, como o Acordo de Paris, marcarão um ponto de virada para o futuro da nossa casa comum.
Como parte da campanha “Jesuítas pela Justiça Climática: Fé em Ação na COP30”, há participação ativa do corpo apostólico da Companhia de Jesus, que está presente e reportando diariamente! Representantes da Jesuit Missions UK e do Jesuit European Social Centre (JESC) compõem essa delegação.
A partir do Secretariado de Justiça Social e Ecologia, em Roma, faremos atualizações diárias com os principais resultados, acontecimentos relevantes e momentos-chave do processo que acontecerá ao longo das próximas duas semanas. Em meio a altas expectativas para resolver questões não resolvidas da COP29 e preparar o caminho para a COP30 em Belém, delegados de quase 200 países estão reunidos para negociar detalhes cruciais sobre adaptação, financiamento climático, transparência e transição energética justa.
Principais Temas em Discussão
Meta Global de Adaptação (GGA) e Programa de Trabalho Emirados-Belém:
As partes estão negociando um conjunto viável de indicadores (no máximo 100) para monitorar o progresso coletivo em adaptação nos setores de agricultura, saúde, biodiversidade e infraestrutura. O desafio é equilibrar indicadores mensuráveis e significativos com a flexibilidade necessária para acomodar diferentes contextos nacionais. Persistem desacordos sobre quais indicadores priorizar e como garantir a responsabilização sem sobrecarregar os países em desenvolvimento.
Planos Nacionais de Adaptação (NAPs) e Barreiras de Implementação:
Embora muitos países tenham elaborado seus NAPs, transformá-los em projetos financiados e eficazes ainda é um desafio. As principais barreiras incluem financiamento climático insuficiente, apoio técnico limitado e baixa capacidade institucional. O papel do Fundo Verde para o Clima e de outros mecanismos financeiros está sob escrutínio, com países em desenvolvimento exigindo financiamento mais acessível e previsível.
Financiamento Climático e a Rota de Baku a Belém:
A proposta é ampliar o financiamento climático para US$ 1,3 trilhão anuais até 2035, mas as lacunas de acesso, alocação e transparência seguem como pontos de tensão. Os negociadores enfrentam pressão para estabelecer uma nova meta de financiamento para adaptação, além da atual, que expira em 2025. O rastreamento dos fluxos financeiros, garantindo que os recursos cheguem às populações vulneráveis, continua sendo uma questão controversa.
Adaptação Transformadora e Roteiro de Adaptação de Baku (BAR):
A linguagem vaga do BAR sobre implementação e a reformulação dos indicadores como “facilitadores” geram preocupações sobre enfraquecimento da responsabilização. Os países do Sul Global destacam a necessidade de garantias efetivas de meios de implementação — financiamento, tecnologia e capacitação — para alcançar uma adaptação verdadeiramente transformadora.
Transparência, Monitoramento e Relatórios:
Estão em pauta melhorias no Quadro de Transparência Aprimorado (ETF), para captar melhor o progresso em adaptação. Também se discute o apoio aos países em desenvolvimento na elaboração de relatórios e o papel do Grupo Consultivo de Especialistas.
Transição Energética Justa e Eliminação de Combustíveis Fósseis:
Após o impasse na COP29, a SB62 inclui discussões sobre transição justa, com foco no apoio equitativo a comunidades locais, indígenas e marginalizadas afetadas pelo processo de eliminação dos combustíveis fósseis. No entanto, divisões geopolíticas e interesses nacionais divergentes dificultam acordos rápidos.
Tensões Políticas e Procedimentais:
O primeiro dia foi marcado por divergências sobre itens da agenda, refletindo tensões políticas de fundo e diferentes prioridades entre as partes. Algumas propostas de grupos como os Países em Desenvolvimento com Interesses Semelhantes enfrentaram resistência, evidenciando o ambiente de negociação desafiador.
Environmental Defense Fund (EDF) e o Espírito do “Mutirão Global”:
Embora não seja uma organização de base religiosa, o EDF ecoa o espírito de colaboração promovido pela presidência brasileira da COP30 por meio da iniciativa do “mutirão global”, que ressalta a ação coletiva e a parceria como caminhos essenciais para superar divisões geopolíticas e reconstruir a confiança no processo multilateral climático.
Perspectivas Relevantes
Organizações religiosas presentes na SB62 destacam o imperativo moral da justiça climática, clamando por ações urgentes em adaptação e apoio às comunidades vulneráveis. Reforçam que as negociações climáticas devem priorizar equidade, transparência e as vozes dos Povos Indígenas e grupos marginalizados para restaurar a confiança e promover uma colaboração genuína.
Convidamos você a acompanhar Jesuit Missions UK e o Jesuit European Social Centre (JESC), que fazem parte da nossa campanha Jesuítas pela Justiça Climática e estão presentes com uma delegação na SB62, publicando recursos e informações que você encontra listadas abaixo!
Parceiros como a CIDSE também reforçam a necessidade de que o financiamento climático seja acessível e alinhado aos princípios dos direitos humanos. Alertam contra compromissos diluídos e conclamam as partes a garantir que os recursos de adaptação cheguem aos que mais precisam, incluindo agricultores familiares e comunidades indígenas.
Carbon Market Watch e Preocupações com os Direitos Humanos:
Grupos da sociedade civil — incluindo atores religiosos — estão acompanhando de perto os mecanismos de mercado de carbono do Artigo 6.2, levantando preocupações sobre salvaguardas de direitos humanos e integridade ambiental. Reivindicam mais transparência e responsabilização para evitar danos às populações vulneráveis.
Fique Ligado…
A SB62 é um momento crucial para destravar impasses técnicos e políticos que influenciarão o futuro da ação climática. O chamado da presidência brasileira da COP30 para elevar a adaptação e reconstruir a confiança pauta as negociações com força, mas divisões profundas e obstáculos procedimentais ainda precisam ser superados. Os resultados da SB62 serão decisivos para a implementação de compromissos, o cenário de financiamento climático e o nível de inclusão da COP30 em novembro. Também marcará o período decisivo entre julho e novembro para as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), determinando se o processo da UNFCCC poderá recuperar o impulso necessário nesta década crítica para a ação climática e a justiça pela nossa casa comum.
Daniela Alba, Secretariado de Justiça Social e Ecologia
(publicação original: ecojesuit.com)
Dia 2, 17 de junho: A Sociedade Civil se Manifesta
Assista à mensagem em vídeo de Anieta Loj (Movimento Espiritual Brahma Kumaris)
Reflexão de Richard Solly – Responsável por Incidência e Campanhas da Jesuit Missions UK
Uma coletiva de imprensa sobre a Palestina, às 10h, destacou que, segundo os acordos climáticos da ONU, os governos não são obrigados a relatar as emissões de carbono decorrentes de suas atividades militares — e que as emissões resultantes da guerra em Gaza superam amplamente as emissões totais de dezenas de países. Os gastos militares em 2023 chegaram, aparentemente, a 2,44 trilhões de dólares — e, ainda assim, países desenvolvidos discutem por anos sobre como prover 1,3 trilhão de dólares anuais para mitigação e adaptação climática.
Em seguida, participei de um evento paralelo sobre Histórias Climáticas do Sul Global. Nele, ouvimos sobre o imenso abismo entre a definição de “financiamento climático” da UNFCCC, apoiada pelos países em desenvolvimento, e a interpretação sustentada pelos países desenvolvidos. A primeira entende que os países desenvolvidos têm a obrigação de prover recursos aos países em desenvolvimento para que estes reduzam suas emissões de carbono e se adaptem às mudanças climáticas. Já a segunda inclui qualquer tipo de recurso vindo de qualquer lugar, inclusive empréstimos com fins lucrativos de instituições privadas. Foram apresentadas muitas informações sobre o Fundo de Adaptação, o Fundo Climático Global e o Fundo de Resposta a Perdas e Danos. Todos esses fundos têm em comum o fato de que os valores prometidos são totalmente insuficientes — e os efetivamente entregues ficam muito aquém das promessas feitas.
A sessão plenária de abertura, adiada, deveria começar às 11h, então corri até a sala principal — apenas para esperar por 40 minutos até o anúncio de que a sessão havia sido adiada para as 13h. Fui então a outra reunião paralela: Construindo sinergias para as pessoas e o planeta – ações transformadoras por um futuro justo e sustentável, realizada conjuntamente pela UNFCCC e outras agências da ONU. A discussão focou nos benefícios sociais, ambientais e financeiros de uma abordagem integrada entre os acordos da ONU sobre Clima, Biodiversidade e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Três relatórios serão publicados em julho: um sobre o papel do financiamento (incluindo seguros) no enfrentamento das mudanças climáticas, da perda de biodiversidade e de desastres catastróficos; outro sobre a conexão entre ação climática e saúde humana nas cidades; e um terceiro sobre o vínculo entre conservação, desenvolvimento sustentável e ação climática.
A tão esperada abertura da plenária, inicialmente reagendada para as 13h, foi adiada para as 15h. Participei então de uma reunião inter-religiosa de articulação bastante útil, depois corri para a plenária das 15h — que havia sido postergada novamente para as 16h; depois, para as 17h. Enquanto isso, florestas queimavam, geleiras derretiam e o nível do mar subia… Mas, enfim, às 17h, os presidentes dos dois Órgãos Subsidiários — SBI e SBSTA — anunciaram que, após dias de negociação, um acordo sobre a agenda havia sido alcançado. Pelos comentários das Delegações Nacionais, ficou claro que os países desenvolvidos se mostraram relutantes em abordar as preocupações financeiras dos países em desenvolvimento — que estavam, com razão, indignados. O poder do dinheiro se impôs, como sempre. Mas, pelo menos, as negociações agora podem avançar sobre temas substantivos — e não apenas sobre a agenda em si. Isso pareceu ser um pequeno sinal de esperança.
Richard Solly, Jesuit Missions UK
(publicação original: Jesuit Missions UK)
Destaque do dia por Daniela Alba – Coordenadora de Incidência no Secretariado de Justiça Social e Ecologia (SJES)
No segundo dia da 62ª sessão dos Órgãos Subsidiários da UNFCCC (SB62) em Bonn, a falta de consenso sobre a adoção da agenda das negociações elevou as tensões, resultando no adiamento da sessão plenária de abertura por várias horas. As palavras do Secretário Executivo da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas, Simon Stiell, foram diretas: “Se queremos que a COP30 nos leve a um novo avanço global, precisamos que os próximos oito dias tragam progressos concretos em todos os aspectos da agenda”.
Mais cedo, os desacordos em andamento — especialmente sobre o financiamento climático e as obrigações dos países desenvolvidos com o Sul Global, conforme o Artigo 9.1 — impediram o início das negociações substantivas, evidenciando as persistentes questões de justiça apontadas pelos blocos dos Países em Desenvolvimento com Interesses Semelhantes.
A sociedade civil se mobilizou para cobrar dos países o compromisso com uma ação climática urgente e equitativa, alertando que os impasses procedimentais minam a confiança e a ambição necessárias na luta por justiça climática. Diversas manifestações de povos indígenas também chamaram atenção para crises humanitárias que se cruzam com a mudança climática e são agravadas por conflitos, pressionando ainda mais os debates. Enquanto isso, organizações como a Carbon Market Watch e outros observadores destacaram a importância de salvaguardas de direitos humanos e da transparência para proteger comunidades marginalizadas, especialmente no que diz respeito à implementação do Artigo 6.2 por parte do setor privado e de países desenvolvidos.
O Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD) e parceiros relataram preocupações semelhantes nas discussões sobre transição energética justa, enfatizando a importância de apoiar trabalhadores e comunidades impactadas pela eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, além de defender soluções agroecológicas e com enfoque de gênero na agricultura, e a integração de práticas indígenas e tradicionais.
Os negociadores foram constantemente alertados contra compromissos diluídos, sendo convocados a garantir que tanto a adaptação quanto o financiamento climático cheguem aos que mais precisam e estejam alinhados aos princípios dos direitos humanos. As tensões procedimentais e políticas persistentes na SB62 moldarão o caminho rumo à COP30, com os blocos do Sul Global e os atores da sociedade civil mantendo-se firmes na exigência de justiça, responsabilidade e ação significativa nas próximas duas semanas de negociações.
Daniela Alba, Secretariado de Justiça Social e Ecologia
(publicação original: ecojesuit.com)
Dia 3, 18 de junho: Negociações em Movimento
Assista à mensagem em vídeo de Harry Zekollari (Vrije Universiteit Brussel)
Reflexão de Cristobal Emilfolk, SJ
É o terceiro dia da Conferência do Clima em Bonn — mas, na verdade, é o primeiro dia de negociações. Digo isso porque foram necessários quase dois dias inteiros para que as partes chegassem a um acordo sobre a agenda desta reunião preparatória, que deve estabelecer os precedentes para a COP30. Uma consequência óbvia disso é que o tempo e o espaço parecem ainda mais limitados para conduzir a longa lista de temas centrais a uma conclusão bem-sucedida. Para além desta reunião — o tempo está se esgotando para encontrar respostas à emergência climática — especialmente para quem já sofre as piores consequências.
Há tantos temas e pontos em discussão que todos precisam formar alianças. Os países se agrupam em blocos de interesse para melhor representar seus, muitas vezes, diversos pontos de vista; as representações da sociedade civil fazem o mesmo, buscando estratégias para amplificar e, talvez, tornar suas mensagens mais eficazes. Tudo se transforma em espaço de diálogo e negociação, onde expectativas precisam ser postas em jogo por meio de vínculos que devem ser dinâmicos e flexíveis para sobreviver.
De certa forma, isso me lembra a lógica das alianças na natureza e o fato de que todos estamos interligados, assim como nossas ações. Sei que é um clichê, mas nem por isso deixa de ser verdade.
As alianças, em geral, podem ser forjadas com os mais diversos objetivos — e com intenções positivas ou até espúrias. Pergunto-me: como podemos estabelecer vínculos que realmente nos ajudem a avançar com mais rapidez e qualidade? Como podemos estruturar com sucesso as ações de que precisamos para agir com eficácia (mas sem imprudência), de maneira qualificada e mais sustentável? Como enfrentar com êxito esse desafio que nos afeta a todos, sem distinção?
Cristobal Emilfolk SJ
Destaque do dia por Daniela Alba – Coordenadora de Incidência no Secretariado de Justiça Social e Ecologia (SJES)
Voltamos com os destaques do terceiro dia da Conferência do Clima em Bonn (SB62), que segue em andamento. Apesar de contratempos significativos, alguns avanços e desafios persistentes surgiram em torno de temas críticos e oportunos da agenda.
Para começar, o Programa de Trabalho para a Transição Justa (Just Transition Work Programme – JTWP) e a Rota de Baku a Belém para discussões sobre financiamento climático revelaram um profundo descompasso nas dinâmicas entre as partes. A contínua pressão de organizações de base, povos indígenas e blocos da sociedade civil pela institucionalização dos princípios da Transição Justa — por meio de participação inclusiva, financiamento dedicado e integração nos planejamentos climáticos nacionais — levou a discussões relevantes. As demandas concretas incluíram o lançamento do Mecanismo de Ação Belém (Belém Action Mechanism – BAM) para acelerar o apoio e remover barreiras sistêmicas, refletindo um forte impulso de base por uma transição ambiciosa no atual cenário financeiro global, após a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris.
Complementando esses esforços, a ambiciosa Rota de Baku a Belém visa mobilizar US$ 1,3 trilhão anualmente até 2035 para apoiar a ação climática dos países em desenvolvimento, com forte ênfase em doações, financiamentos concessionais e no enfrentamento do déficit grave de recursos para Perdas e Danos. Apesar das divergências persistentes sobre as modalidades de financiamento e as responsabilidades envolvidas, a proposta representa uma estrutura urgentemente necessária para ampliar o financiamento climático de forma equitativa e acessível, com a expectativa de um relatório de síntese na COP30 para orientar ações futuras. Além disso, as Modalidades do Diálogo dos Emirados Árabes Unidos revelaram divisões profundas: países desenvolvidos defenderam uma plataforma ampla, abrangendo todos os resultados do Global Stocktake (Balanço Global), enquanto a maioria dos Países em Desenvolvimento com Interesses Semelhantes (Like-Minded Developing Countries), liderados pelo G77, insistiu que o diálogo fosse focado especificamente no financiamento dentro da agenda de Meios de Implementação e Apoio. Não houve consenso sobre o escopo ou as modalidades do diálogo, refletindo as tensões contínuas quanto à implementação e à responsabilização.
Ativistas, cientistas, representantes da sociedade civil e defensores dos direitos humanos se uniram aos povos indígenas presentes em Bonn, que continuam exigindo que as políticas climáticas priorizem as necessidades e os direitos das comunidades mais impactadas e dos trabalhadores em zonas de conflito — com destaque para a guerra em curso no Oriente Médio e a exigência de fim do uso de armamentos em nome do meio ambiente. A reação contínua diante da falta de apoio e de intenções claras por parte dos países em alcançar aqueles mais afetados pela emergência climática impõe uma pressão necessária sobre as negociações em andamento — clamando de forma inequívoca por um espírito de urgência em nome da justiça climática.
Daniela Alba, Secretariado de Justiça Social e Ecologia
(publicação original: ecojesuit.com)
Dia 4, 19 de junho: Financiamento, Adaptação e Diálogo Inclusivo
Assista à mensagem em vídeo de Lucas D’Ávila (Cáritas Brasileira) e Annia Klein (CIDSE)
Reflexão de Cristobal Emilfolk, SJ
Grande parte das discussões que ocorrem nas dezenas de salas de reunião da SB62 gira em torno do dinheiro. De fato, esse é um componente essencial nas conversas sobre “Perdas e Danos” para os países mais afetados pelos efeitos críticos das mudanças climáticas. No entanto, o foco excessivo nas finanças acaba obscurecendo outras dimensões do dano. Foi isso que um grupo de organizações de base religiosa buscou evidenciar hoje, ao organizar um evento para discutir as Perdas e Danos Não Econômicos (NELD, na sigla em inglês).
Quando falamos de NELD, referimo-nos, por exemplo, aos danos causados a rituais e tradições que fazem parte do patrimônio cultural de um povo, à dispersão de comunidades forçadas a migrar, à ansiedade e aos traumas gerados especialmente entre crianças e jovens, assim como ao vínculo sagrado que existe entre muitos povos e a terra que habitam — algo que não pode simplesmente ser trocado por outro território.
Certamente, recursos financeiros são necessários para atender a muitas dessas necessidades. Mas isso não é tudo. O dinheiro não é um fim em si mesmo, mas um meio para se alcançar um fim. Ele deve vir acompanhado de empatia, compaixão e uma série de valores e atitudes que realmente busquem transformar a sociedade. As vozes das instituições ligadas a diversas espiritualidades e religiões precisam encontrar espaço nesses fóruns, onde a pressa e a urgência, às vezes, nos fazem esquecer que, por trás de tudo isso, estão vidas humanas e não humanas em risco.
Cristobal Emilfolk SJ
Destaque do dia por Daniela Alba – Coordenadora de Incidência no Secretariado de Justiça Social e Ecologia (SJES)
Muitos se perguntam: por que a SB62 é tão importante? Podemos deduzir grande parte dessa importância a partir das atualizações das negociações do quarto dia. Marcada por intensas mediações técnicas e políticas, a conferência continua sendo um ponto crucial na crise climática. O envolvimento com atores não estatais, incluindo a sociedade civil e os Povos Indígenas, esteve centrado na Rota de Baku a Belém, dentro do Novo Objetivo Coletivo Quantificado sobre Financiamento Climático (NCQG). A sociedade civil reiterou os apelos por um plano concreto para ampliar massivamente os recursos para Perdas e Danos e garantir que o Fundo de Perdas e Danos esteja totalmente financiado. A presidência da COP30 introduziu um “círculo de ministros das finanças” para orientar os esforços rumo à meta financeira anual, mas preocupações com a transparência e a inclusão foram levantadas de forma consistente, assim como nos dias anteriores.
Enquanto isso, o trabalho técnico sobre adaptação trouxe insights importantes, com os negociadores concentrando-se no refinamento de uma lista de indicadores para a Meta Global de Adaptação (GGA) e na implementação do Programa de Trabalho Emirados-Belém, refletindo a ênfase da presidência da COP30 na adaptação como prioridade para novembro. As discussões também abordaram as modalidades para o diálogo previsto no parágrafo 97 da decisão 1/CMA.5, destinado a facilitar a implementação dos resultados do balanço global (global stocktake – GST). Diversas partes, incluindo a Índia, relembraram as difíceis negociações em Baku, onde divergências de visão impediram a formação de consensos. Embora o diálogo tenha como objetivo apoiar a implementação do GST, os países permanecem divididos quanto ao seu escopo e função, o que evidencia o crescente desafio de equilibrar equidade, acesso e interesses nacionais.
Paralelamente, a terceira revisão do Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos (WIM) avançou com propostas para um Relatório sobre o Estado das Perdas e Danos e para uma melhor coordenação institucional, embora problemas de acesso por parte de observadores tenham persistido, apesar de compromissos anteriores com a inclusão — tema recorrente em todos os pontos principais da agenda. O Diálogo de Sharm el-Sheikh sobre o Artigo 2.1(c) também revelou as fraturas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento quanto ao alinhamento dos fluxos financeiros com as metas climáticas. Os países desenvolvidos defenderam métricas mais claras, marcos regulatórios e o engajamento do setor privado, enquanto os países em desenvolvimento — incluindo o G77, LMDCs, AGN e AOSIS — destacaram que esse alinhamento não deve impor novos encargos ou condicionalidades e precisa estar vinculado à provisão de financiamento conforme o Artigo 9, salvaguardando a equidade e os espaços de política nacional.
O dia também contou com o lançamento do segundo diálogo anual sobre as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), com Vanuatu apresentando sua NDC 3.0, que inclui 45 compromissos relacionados a Perdas e Danos. Esses acontecimentos reforçam o papel crucial da SB62 na construção da base técnica e da confiança necessárias para resultados significativos na COP30, além da importância de processos multilaterais transparentes e inclusivos para uma ação climática global efetiva.
Daniela Alba, Secretariado de Justiça Social e Ecologia
Publicação original: ecojesuit.com, que foi traduzido e adaptado para o site Jesuítas Brasil.