Carisma Inaciano

“Caminhar no mundo sem fazer desse caminho uma oração é o mesmo que não viver”.
 Pe Pedro Arrupe, S.J. (1907-1991)


O carisma inaciano tem como base a experiência espiritual vivida por Santo Inácio de Loyola (1491-1556) e compartilhada entre seus companheiros de missão, grupo que foi o núcleo da Companhia de Jesus em sua origem. De família proeminente, tendo o militarismo por ofício, Inácio atravessa um processo de conversão em sua convalescença após uma guerra contra os franceses. Naquele momento, ao ler dos livros que sua cunhada lhe dispunha, Inácio teve a iluminação que mudou sua vida; faria de si um peregrino sempre em busca do magis, ou seja, em tudo disposto a viver como Cristo e seus santos e santas, procurando fazer a vontade de Deus, da maior e melhor forma.

Das anotações de sua vida de oração, nascem os Exercícios Espirituais (EE), que são o fundamento do que hoje chamamos de espiritualidade inaciana. Dos diversos modos de se viver essa espiritualidade no mundo é que brota o seu carisma. Inúmeros são os que permitem deixar-se tocar e ajudar pela dinâmica dos EE. Uma experiência que propõe às pessoas o autoconhecimento, libertando-as de suas amarras e dando sentido para sua existência nesse mundo que acontece pela descoberta da vontade de Deus para si.

Desse modo, a centralidade de Cristo e do seu Evangelho são características dos EE . E, isso não apenas se trata de uma inspiração, mas um fato histórico: ao tempo em que viveu Inácio, tempo de grande turbulência e mudanças, ele e muitos de seus contemporâneos vivenciaram uma corrente espiritual em voga na época, a Devotio Moderna. Ela caracterizava-se por colocar a pessoa de Jesus Cristo no centro e a uma busca de maior intimidade com ele, passando a nutrir um profundo amor pessoal a Cristo. Isso foi sintomático num momento em que a Igreja repensava a si mesma. Dessa vertente, destaca-se o texto “Imitação de Cristo”, de Thomas Kempis, um clássico da literatura cristã e que foi livro de cabeceira de Inácio.

Da compreensão de que Deus está presente em todas coisas, nas realidades à nossa volta, nas pessoas, nos nossos próprios sentimentos, nasce o apelo a que encontremos Deus em tudo isso. Como diz o teólogo Teilhard de Chardin, “para quem sabe olhar, não há nenhuma realidade que seja simplesmente profana”. O carisma inaciano, portanto, descortina horizontes, abre-nos o olhar e a capacidade de compreender as diferenças e até mesmo encontrar a unidade no que é diverso. Em virtude disto, o diálogo ecumênico e interreligioso encontra espaço na atuação de Jesuítas, seus colaboradores e de tantas leigas e leigos que bebem da mesma fonte. 

Assim, a presença de Deus precisa ser descoberta, não demonstrada nem, muito menos, imposta. Essa atitude é que caracteriza àqueles que partilham do carisma inaciano como pessoas contemplativas em ação, ou seja, “como monjas e monges” vivendo uma espiritualidade no meio do mundo, sem se abstrair dele ou condená-lo, mas rezando no meio dele, deixando-se interpelar por ele; por fim, salvando-o e construindo pontes de reconciliação.

Neste sentido, experimentado na oração e na vida, ao lado dos mais necessitados, não é por acaso que Santo Inácio é conhecido, hoje, como mestre do discernimento, enquanto a espiritualidade inaciana é concebida como uma espiritualidade da pessoa moderna. Pois, na raiz de tudo isso, os EE são, propriamente, uma escola de oração.

Assim, o carisma inaciano, nas pessoas que o encarnam no mundo, compreende que uma espiritualidade compromissada tem consequências: que o serviço da fé e a promoção da justiça podem nos furtar a comodidade, mas são modos de se vislumbrar o sonho de Jesus para o mundo, ele que deseja dar vida e vida em abundância para toda a humanidade; que a educação de crianças e jovens é uma oportunidade ímpar de se formar líderes sensíveis aos sofrimentos da humanidade; que facilitar o acesso das pessoas a Deus – e acompanhá-las nisto – é atuar com a mesma compaixão de Jesus que nunca julgou nem condenou, antes enxergou em cada ser humano a dignidade de ser filha e filho de Deus.

JESUÍTA, Alex Palmer.