A segunda live do ciclo Jesuítas pela Justiça Climática – Fé em Ação na COP30 reuniu, na noite de terça-feira (08), especialistas comprometidos com a promoção do direito à alimentação e da justiça socioambiental. Com o tema Soberania Alimentar em Tempos de Crise Climática, o encontro foi transmitido pelo canal Jesuítas Brasil no YouTube e convidou o público a refletir sobre o acesso à comida saudável como um direito humano fundamental, profundamente ligado à dignidade e à sustentabilidade do planeta.
De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 673 milhões de pessoas enfrentaram fome em 2024, o que representa 8,2% da população mundial. No Brasil, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar também segue alarmante, revelando o impacto da desigualdade social, da concentração de terras e das mudanças climáticas sobre a produção e o consumo de alimentos.
O debate contou com a participação de Helena Lopes, pesquisadora da Agenda de Saúde e Agroecologia da Fiocruz, com atuação em políticas públicas, agroecologia e saúde coletiva, e Leonardo Ribas, professor, pesquisador e membro da Comissão Permanente do Direito Humano à Alimentação Adequada do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). A mediação foi conduzida pelo Pe. Sandoval Rocha, SJ, doutor em Ciências Sociais e integrante das Pastorais Sociais da Arquidiocese de Manaus (AM) e do Fórum das Águas.
Durante a conversa, a professora Helena Lopes destacou a urgência de repensar os sistemas alimentares a partir de um olhar agroecológico. Segundo ela, cerca de um terço dos gases de efeito estufa no mundo tem origem nos sistemas alimentares — desde o uso da terra e os modos de produção até os processos de empacotamento e distribuição. “Quando olhamos para o Brasil, esse número salta para mais de 70%. Isso quer dizer que a forma como produzimos, distribuímos e consumimos os alimentos é responsável por uma grande parcela das emissões no país. É um dado alarmante, especialmente quando pensamos que aquilo que nos alimenta é também o que mais contribui para as mudanças climáticas no nosso país”, afirmou.
A especialista reforçou que o enfrentamento da crise climática não pode se restringir ao debate atmosférico. Segundo ela, “é preciso olhar para a terra e para a forma como os alimentos são produzidos. No Brasil, cerca de 50% das emissões vêm da mudança do uso da terra e da floresta, associadas ao desmatamento e à conversão de áreas para pastagens e agricultura. Por isso, discutir o acesso à terra e a demarcação de territórios é fundamental.”
Helena também enfatizou a necessidade de distinguir os modelos agrícolas que coexistem no país. “Temos, de um lado, o modelo convencional, baseado no monocultivo; e, de outro, uma agricultura diversa, enraizada nos territórios e comprometida com a produção de alimentos saudáveis. Reconhecer essa diferença é essencial para compreender quem de fato mais contribui para a mitigação das mudanças climáticas.”
Além disso, a especialista também apresentou dados do Mapeamento de Experiências de Agroecologia e Justiça Climática, realizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) entre abril e junho de 2025. O levantamento buscou entender como as iniciativas de agroecologia estão enfrentando as mudanças climáticas e reestruturando os sistemas alimentares diretamente nos territórios. Ao todo, foram identificadas 503 experiências de agroecologia que têm promovido adaptação, mitigação e resiliência frente às mudanças climáticas nos territórios.
Já Leonardo Ribas abordou os desafios para a efetivação do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e a própria noção de direito no contexto brasileiro. Ele propôs uma reflexão provocativa: “Alimentação é um direito ou uma commodity?” Ao discutir o paradoxo nacional, destacou que o Brasil é, ao mesmo tempo, um dos maiores produtores de alimentos do mundo e um dos maiores produtores de injustiça alimentar.
“Há dois anos, o país convivia com cerca de 33 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave. Hoje, 85% dos alimentos produzidos aqui são destinados à exportação ou à produção de ração animal. Trata-se de um modelo insustentável, que agride a natureza e nega o direito à alimentação para milhões de brasileiros”, ressaltou.
O ciclo Jesuítas pela Justiça Climática – Fé em Ação na COP30 segue em preparação à Conferência das Partes do Clima (COP30), que será realizada em 2025, em Belém (PA). A iniciativa tem como objetivo mobilizar consciências, fortalecer redes e inspirar práticas concretas de cuidado com a Casa Comum, unindo fé e compromisso social.
O vídeo completo da live está disponível no canal Jesuítas Brasil no YouTube.